Capítulo 2

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Alguns anos antes

— Por que você foi, Kel? Pra que, amiga?  — indignou-se Letícia — Você tinha me prometido que não trairia seu marido.

Shh! Fala baixo. Vai acabar acordando o Dylan — censurou Raquel — Ah, Let. Você, melhor que ninguém, devia saber o porquê. Não vou ficar aqui enumerando o quanto minha vida conjugal é... Uma merda. E, sinceramente, esperava que você entendesse. Que eu pudesse confiar em você.

— Você pode. É só que... Esquece. — Letícia sentou-se na cama de casal da amiga e a puxou para um abraço apertado. Afastando-se disse: — Me conta. Como foi?

— Mágico! — admirou-se, Raquel, enquanto deitava na cama. — Conversávamos muito por whatsapp. Virtualmente, não me parecia que tínhamos perdido contato, há quase quatro anos. Era como na semana que passei na casa da minha tia. Dois adolescentes novamente. Nem acredito que...

— Kel, sua tia? Ele é... — Letícia fitou a amiga franzindo a testa, seus redondos olhos cor de mel, transparecendo dúvida e em seguida espanto.

— Não, o Gabriel não é meu primo de verdade. A mãe dele foi adotada. É até meio óbvio, para quem nos conhece. Não parecemos em nada. Ele é um... Deus. Têm 1,80 de altura, pele morena e tanquinho definido. Fruto das horas de academia. Isso sem dizer que tem conteúdo. O cara é um nerd descolado. Muito bom de cama.

— Nossa! Ele é grande, né? Tem uns 15 cm de diferença entre vocês. — Zombou Letícia.

— Boba! Na horizontal todo mundo é igual. Nossa! Pensamento cafajeste esse, né? — refletiu Raquel sorrindo.

— É. Você fala com tenta paixão, seus olhos brilham tanto. Ele deve ser realmente bom — Leticia, divertida, gesticulou referindo-se ao tamanho do órgão sexual do rapaz —, para te conquistar com apenas uma transa — ponderou.

— Não, não e não.

— Como assim, não?

— Não foi só uma. Transamos a tarde toda, acho que bem umas oito vezes. E ele não é gigantesco assim. Já estou toda... — Raquel buscava a palavra adequada — Ardida, com um tamanho médio. Imagina se fosse grande? Tamanho não é documento.

— Sei não! Todas dizem que tamanho, conta. E muito.

— Não é bem assim, você sabe disso.

— Sou virgem, lembra? Não tenho como saber. Afinal, não são todas as garotas que aos 18 já tem um filho, de três anos.

— É, sempre me esqueço desse detalhe. Afinal, nem todas as garotas chegam aos 18, virgens. — Elas se encararam carrancudas por um momento e logo caíram na gargalhada.

— Você tem certeza de que não está apaixonada, Kel? Você sabe o problemão que isso traria, não sabe?

 — Acredito que tenhamos química, Let. Estar com ele é algo natural. Acho que me encanto pela sensação de ser desejada de novo. Há exatos três anos que não sabia o que era isso. Sem contar que nunca tinha transado com outra pessoa. Gosto de ser cortejada, nisso o Biel é bom! — disse divertida.

— Você não se sente culpada? Como consegue olhar para seu marido, depois disso?

— Let, meu casamento já acabou ha algum tempo. O Diogo é que ainda não se deu conta disso. Ficamos semanas sem sexo ou qualquer tipo de carícia. Não conversamos mais como antes. Sem mencionar as brigas. Somos estranhos dentro de casa. Se ele não fosse evangélico e todo certinho, eu diria que tem outra. Já cheguei a ter ciúmes do melhor amigo dele.

— Que isso, Kel? — espantou-se Letícia.

— Bem, do jeito que as coisas estão hoje em dia. Por que não? Ele passa mais tempo com esse cara do que comigo e o filho. O que me fez mudar de ideia foi a homofobia dele.

— Se quer minha opinião. Acho que deveria tentar conversar e resolver. Problemas, todos os casais têm.

— Let, sei que é errado.  Mas, tenta me entender. Estou viva. E com o Gabriel é assim que me sinto. Dentro dessa casa, na companhia do Diogo, me sinto morta, entende? Aqui não sou mulher, sou esposa e mãe, cheia de obrigações.

— Então o que te prende a ele, Kel?

— Amor. Sou louca por ele.

— É amiga, entendo. Só espero que não se arrependa do que está fazendo. 

***

Música alta abafava o som das vozes na varanda da grande casa. Onde, Raquel, passou parte de sua infância. Sempre foi diferente das primas, era do tipo que preferia empinar uma pipa a pentear uma boneca. Debruçada ao guarda-corpo, admirava o pequeno Dylan, que mal aprendera a andar, já corria pelo quintal. Estava a pensar no quanto a criança parecia com ela, não fisicamente, nesse quesito puxara o pai. Mas a travessura, sem dúvidas, herdara dela.

— Vó, passa o olho no Dylan pra mim? Já volto.

Raquel saiu do meio da roda de primas, dirigiu-se à cozinha para esquentar a mamadeira do filho, distraindo-se com a tarefa que em um passado próximo, não se imaginava realizando. Gabriel a surpreendeu com um beijo em sua nuca.

— Você é louco?

— Por você! Vai dizer que não gosta?

— Gabriel, se formos descobertos, estou ferrada. Você é homem. Lembra? Tem mais é que “comer”. Eu que serei a piranha adúltera.

— Você falou igual ao meu tio agora.

— Sou filha, né!

— E dele só puxou a língua ferina. — Gabriel se aproximou, olhando-a de baixo a cima. O que fez o coração de Raquel pular uma batida.

 “Controle-se Kel. Aqui não. Seu filho está logo ao lado.” Pensou ela.

— Somos adultos e vacinados, Kel. Se bem me lembro, não fui eu quem insistiu em um encontro — Gabriel acusou debochadamente —, agora não consigo controlar essa vontade de você.

— Ah, agora a culpa é minha? Quando um não quer, dois não brincam! Você sabe que dependo do meu marido. Tenho um filho dele, que não vai ter nem o que comer, se eu for parar na rua.

— Por falar no corno, cadê ele?

— Não Fale assim dele! Hoje é domingo, está na igreja. Mas vem almoçar conosco.

— Duvido — murmurou Gabriel.

— O que disse?

— Que você dramatiza demais as coisas, Kel. Minha tia pode ser turrona, mais nunca te deixaria à mingua com uma criança nos braços, ainda mais coruja como é. E você, mocinha, é mais forte do que imagina. Pode trabalhar e sustentar seu filho. Larga desse moscoso. Fica comigo.

— Você perdeu o juízo de vez! — Raquel estalava a língua, se virando para deixar a cozinha.

Gabriel segurou seu braço a trazendo para perto, sussurrou em seu ouvido. — Diz que não me ama. — Raquel podia sentir se hálito mentolado acariciar sua pele. Com a mão livre, ele segurou e ergueu o seu queixo obrigando-a a encará-lo — Diz, olhando em meus olhos, que quando está na cama com ele, não é em mim que você pensa. Diz.

A tagarela Raquel perdeu a capacidade de formar frases coerentes. Sua sorte, ou talvez azar, foi a chegada de sua avó.

RaquelOnde histórias criam vida. Descubra agora