O grande e singelo aparecimento

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Pensar não é uma opção do homo sapiens, mas uma atividade inevitável. Ninguém consegue
parar de pensar, apenas consegue desacelerar o pensamento. Até a tentativa de interrupção do pensamento já é um pensamento. Nem quando dormimos os pensamentos deixam o palco de
nossa mente. Por isso sonhamos. Existem quatro fenômenos que lêem a memória e constróem
cadeias de pensamentos. Todos os dias produzimos milhares de pensamentos.
Pensar é a característica básica da nossa espécie. Pensar é bom, mas pensar demais rouba
energia do córtex cerebral e produz um cansaço físico exagerado, déficit de concentração,
déficit de memória, irritabilidade e, às vezes, insônia. João pensava muito ou pouco? João
cresceu no deserto. Tinha contato com poucas pessoas. O fato de crescer no ostracismo e,
portanto, ter poucas pessoas para conversar, não indica que ele pensava pouco. Aliás, quem
fala pouco, como é o caso dos tímidos, freqüentemente pensa muito. João devia pensar muito.
Seus pensamentos estavam saturados de expectativas sobre Jesus. Os principais arquivos
conscientes e inconscientes da memória de João estavam ocupados com uma pessoa que não
conhecia. Ele era seu primo, mas cresceram separados, desde que Maria e José fugiram para o
Egito e voltaram para a cidade de Nazaré na Galiléia (6). João aguardava ansiosamente por
conhecê-lo. Quanto tempo você espera para que um sonho se concretize? Uns abandonam seus
sonhos nas primeiras semanas. Seus sonhos não resistem ao calor dos primeiros problemas.
Outros, nos primeiros meses. Seus sonhos estão mais arraigados dentro de si, mas quando
atravessam o vale das frustrações, eles, com lágrimas, os enterram. João esperou por três
décadas para que seu sonho se concretizasse. Quantas noites frias, desencantos e momentos de
angústia ele não experimentou. Trinta anos de calor, poeira e sequidão não o desanimaram.
Um sonho só se torna real quando deixa o palco dos pensamentos e assume o controle da
nossa emoção. A espera de João era quase surrealista. João amou quem não conheceu. Em
meio a tantas expectativas, uma dúvida surgiu: como identificá-lo quando ele se aproximar?
Virá ele como um grande rei? Terá uma grande comitiva? Suas vestes serão tecidas com fios
de ouro para contrastar com as vestes do seu precursor?
As semanas se passavam e as multidões aumentavam nas margens do Jordão. Inquietos, os
mais ousados perguntavam-se: "Será que João não está alucinando?" De repente, apareceu
sorrateiramente mais um homem. Parecia mais um entre os milhares. Não havia diferença
física entre ele e os demais.
Suas vestes eram comuns, não havia uma escolta atrás de si. Seus movimentos delicados não
revelavam o poder de um rei, mas a fineza de um poeta. Ele não chamava a atenção de
ninguém. Sem dúvida, era mais um sedento para ouvir as palavras eloqüentes do homem do
deserto.
Mas esse homem foi pedindo licença para a multidão. Tocava os ombros das pessoas, foi
abrindo espaço. Alguns não gostavam da sua intromissão, mas ele as silenciava com um
sorriso. Sutilmente foi se aproximando. Ninguém o reconheceu. Certamente não era o Messias
proclamado por João. Ele não tinha nada a ver com a imagem que as pessoas fizeram dele no
seu inconsciente. Elas esperavam alguém supra-humano, mas ele era tão humano. Esperavam
um homem com semblante de um rei, mas seu rosto estava sulcado pelas tardes ensolaradas.
Suas mãos, castigadas por um trabalho árduo. Ele continuava se aproximando. Não havia
poder nos seus gestos, mas doçura nos seus olhos. Sua singeleza era contagiante. O homem incumbido de mudar o destino da humanidade se escondia na pele de um carpinteiro. Nunca
alguém tão grande se fez tão pequeno para fazer grandes os pequenos.
João não parava de falar. Mais uma vez ele discursava sobre a pessoa mais poderosa da terra.
Não sabia que ele estava lá, ouvindo-o e vindo ao seu encontro. Seus joelhos estavam
encobertos pelas águas. Seu olhar era intrépido e sua voz continuava imponente. Subitamente,
uma clareira na multidão se abriu. O homem dos sonhos de João apareceu e ninguém notou.
Que frustração! Mas, de repente, os olhares se cruzaram. João ficou petrificado. Interrompeu
seu discurso. Nada exterior indicava que era ele, mas João sabia por meios não lógicos que
era ele. Seus olhos contemplaram atenta e embevecidamente a Jesus de Nazaré (7).
Os olhos de João certamente lacrimejaram. Tantos anos se passaram e tantas noites em claro
aguardando um único homem aparecer. Agora, ele estava ali, real, ao vivo e em cores diante
de si. Talvez, pela primeira vez, o semblante de João tenha se alegrado. O seu aparecimento
encheu sua alma de esperança.
Esperança para todos os miseráveis, os desesperados, os que perderam a motivação para
viver, os que têm transtornos emocionais, os que vivem ansiosos e abatidos. Esperança
também para todos os felizes, todos os que tiveram o privilégio de conquistar os mais
excelentes sucessos, mas têm consciência de que a vida, por mais bela e bem sucedida que
seja, é tão breve como o cair das folhas no outono.
Sim! Não apenas os miseráveis precisam de esperança, mas também os felizes, pois
igualmente findarão os seus dias e nunca mais verão o rosto de quem amam, nem as flores dos
campos, os entardeceres, os cantos dos pássaros.
A vida, por mais longa que seja, transcorre dentro de um pequeno parêntese do tempo. Todos
os mortais precisam de esperança. A esperança era o nutriente interior de João. Só isso
explica por que, sendo inteligentíssimo, trocou o conforto social pela secura do deserto.

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