Capítulo 3

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No dia seguinte me levantei cedo, e carreguei tudo o que eu precisava para minha viagem no porta malas do Impala, isso incluía algumas malas com armas e balas de prata. Antes de seguir meu caminho para Mexrool resolvi passar na casa da vovó para me despedir. A casa dela ficava depois do parque florestal, e era toda cheia de flores no jardim e charmosa como as casas de vó devem ser. Subi a varanda e mesmo sem bater, ouvi sua voz lá de dentro gritar:

— Entre, Kassy!

Nunca entendi como ela fazia isso, parecia um tipo de superpoder. Eu sempre achei que fosse pela sua audição de caçadora, mas ela me dizia que ela sentia meu cheiro, que ele era inconfundível.

— Olá vovó! Como a senhora está? — Perguntei, entrando na sua sala.

— Senhora está no céu, minha querida! — Ela riu.

Eu amava minha vó, e principalmente o seu jeito brincalhão. Apesar da idade avançada ela era uma senhora de beleza magnífica. Sempre me disseram que eu era mais parecida com ela do que com a minha mãe. Seus olhos azuis turquesa eram iguais aos meus, e seus cabelos que agora estavam ficando grisalhos eram pretos como carvão, como os meus, e nos dávamos muito bem como se fôssemos melhores amigas. Nós só tínhamos uma à outra ainda, éramos a nossa pequena família. Vovô havia falecido antes mesmo de eu nascer, e só o conhecia através de uma foto que uma vez vovó me mostrou de tanto que eu pedi. Ele também era um homem muito bonito, cabelos pretos e olhos pretos, mamãe tinha puxado a ele.

— Sente-se querida, estou fazendo seus biscoitos de chocolate preferidos. Gostaria de um chá? — Ela se levantou da sua poltrona azul Royal.

— Que delicia vovó, eu sabia que esse cheiro era reconhecível! — inspirei profundamente o ar e o cheiro de biscoitos assando me invadiu. O aroma de chocolate impregnava cada canto da casa. — Mas eu adoraria um copo de leite, ao invés de chá para acompanhar os biscoitos! — Sorri.

— Leite? — Vovó indagou surpresa. — Quanto tempo não comemos biscoitos com leite! — Ela deu um sorriso doce. Eu assenti e retribui o sorriso, enquanto ela foi para a cozinha.

Minha vida corrida acabou nos distanciando um pouco, mas ela sabia que era por uma boa causa, e que eu a amava mais do que tudo no mundo. Eu devo muito a minha vó, foi ela quem me criou e que ocupou o cargo de caçadora de minha mãe, após sua morte, então ao invés dela aproveitar sua liberdade ou sofrer com o luto da morte de sua filha, ela teve que voltar a lutar contra os malditos lobisomens e ainda por cima me criar e me treinar para assumir seu lugar. Então quando fiz meus 16 anos de idade, ao invés de ganhar uma festa de aniversário, eu ganhei a adaga Misit e a capa vermelha, e naquele dia eu lembro-me que me senti especial, pois sabia que o mundo precisava de mim, que eu não viveria apenas em vão, que eu tinha um propósito na vida e que faria de tudo para honrar o trabalho que minha vó teve, e encontrar e me vingar do maldito lobo que matou meus pais.

Eu adorava a casa da vovó, por que tinham muitas fotos da nossa família decorando as paredes, era como se ela quisesse se lembrar de momentos onde éramos pessoas normais, sem nenhum fardo, nenhuma preocupação. Em cada foto estávamos mamãe, eu, papai, vovó, e até mesmo o Strax, meu cãozinho que acabou morrendo de velhice há dois anos. Era nessas fotos em momentos de alegria e paz que eu tinha um pouco de esperança de que um dia eu também teria uma família normal. E mesmo eu esperando ansiosa para que esse dia chegue, eu ainda tinha um propósito e eu iria cumpri-lo. Porém eu achava estranho o fato de que em nenhuma dessas fotos aparecia o vovô, nem mesmo alguma com vovó. Talvez fosse muito doloroso para ela relembrar a vida que eles tiveram juntos, e eu podia entender essa dor, pois era exatamente o que eu sentia quando lembrava ou olhava para as fotos do papai e da mamãe. A dor sempre estava ali presente, sem nunca ser curada ou me deixar em paz, sempre me lembrando do ódio que eu sinto pelo lobo que os matou. A dor era apenas um lembrete de que eu ainda me vingaria.

Vermelho Sangue DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora