Corippo, Suíça. Noite do Incêndio.
Isis Keller.Fumaça.
Eu conhecia o cheiro de fumaça, desde que eu era bem pequena. Talvez fosse o único defeito do meu pai - o fumo. Toda a fumaça que ele produzia. Papai... Eu sentia tanta a falta dele.
Fumaça. O cheio fazia cócegas no meu nariz, me fazia tossir. Nunca soube por que meus pulmões sempre foram tão sensíveis, mas assim que abri os olhos agradeci por isso. O mundo lá fora brilhava, em fogo laranja ardente. Eu sabia o que isso queria dizer.
A cidade estava em chamas.
E não demorou para que eu percebesse, que nossa casa também.
-Mamãe! Bethany! Mamãe! - gritei, jogando as cobertas longe com dificuldade, pelo peso daquele gordo gato preto sobre os lençois.
Peguei-o no colo, correndo até o quarto onde minha mãe dormia tão calma como em nenhum outro momento da vida era possível encontra-la - Mãe!
-Isis, que barulho é esse? - perguntou ela, se sentando e olhando em volta - Fumaça...
-Temos que sair daqui! - falei, puxando ela que rapidamente se levantou, tirando o gato das minhas mãos e seguindo até a porta. A parei antes que pudesse sair do quarto - As escadas estão pegando fogo. Tudo está pegando fogo, não tem como descer!
-Pelo quarto do seu irmão. A escada de emergência - ela falou, rapidamente, parando em seguida - Bethany...
-Eu a chamo - ela me segurou - Sou mais rápida. Vão, logo!
Vi ela cruzar a janela, antes do chão do quarto se abrir e o fogo tomar conta de tudo que restara de meu amado irmão Apolo. Descalça, eu quase sentia as chamas do andar de baixo nos meus pés enquanto tentava acordar Bethany. Ela era linda, pensei, no momento mais inapropriado possível para se invejar alguém.
—Bethany, acorde... Acorde! – gritei, puxando seu braço, a forçando a ficar acordada quando ela parecia que ia apenas voltar a dormir – Bethany, precisamos ir. A casa está pegando fogo. A cidade inteira está em chamas!
-O que? - ela arregalou os olhos, se levantando rapidamente, tonta – Vamos, vamos descer...
—O andar de baixo está inteiro em chamas – gritei. A fumaça começava a encher o quarto, meus olhos ardiam – Mamãe está lá fora. A única saída é a janela!
Ela respirou fundo e abriu a janela, olhando para baixo e então para mim – Me de sua mão, eu te seguro e você desce.
—Mas e você? – perguntei, confusa.
—Eu posso pular, sem problemas – ela assegurou, pegando minha mão. Instintivamente, levei a mão ao pescoço, arregalando os olhos assim que percebi o que tinha feito.
—Minha correntinha! – arfei, encarando-a – Está em cima do criado mudo, pode ir sem mim, eu já venho...
—Não vai conseguir pular depois – ela me puxou. Eu sabia que ela loucura, voltar por algo tão pequeno. Mas eu não podia deixar tudo que restava do meu pai, o último presente dele, para ser consumido pelo fogo.
—Estou acostumada a pular a janela do meu quarto, estarei lá fora antes que possa fazer a volta – tentei sorrir. Era verdade, eu fugia por aquela janela desde muito antes de Bethany estar naquela casa, ela me olhou preocupada e eu percebi que tinha que tira-la dali antes que me atrasasse mais, cada segundo era importante – Desculpe Bethany...
Eu a empurrei. Não olhei para baixo, nem para trás enquanto corria até meu quarto, com a casa desmoronando, e achei a corrente em meio as chamas, antes de uma pilastra bloquear a janela, ardendo. Maldita casa cheia de madeira.
Tossindo, consegui voltar até o quarto de Bethany, até a janela aberta, quando ouvi.
-ISIS!
Não. Era tudo que eu conseguia pensar, não, ela não. Olhei para a janela, mas assim como aquela maldita joia eu também não poderia deixa-la. Enquanto o fogo enchia o quarto, joguei a corrente pela janela, esperando que Bethany talvez entendesse o sinal e partisse sem nós, e corri de volta as chamas.
-Mamãe! - gritei, a encontrando tossindo, aos pés da escada, me atirando entre os degraus em chamas, eu já não podia ver o fogo se diferenciando do meu cabelo e do dela. Era tudo vermelho e laranja, vibrante e quente.
Eramos nós duas, durante tanto tempo. Eramos nós duas depois da guerra levar o papai e eramos nós duas depois de Apolo partir. Eu nunca mais o veria. Não sabia dizer se eu estava chorando, ou se ela estava chorando.
Eu senti minha perna queimando, e tossindo pela fumaça senti o aperto dela em volta de mim enfraquecer antes dos meus sentidos me deixarem. Eu nunca iria a Paris, eu nunca seria rainha.
Eu era só fogo.
E cinzas.
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A Rainha Da Beleza - A Rainha da Beleza Livro I [NÃO REVISADO]
RomanceCapa Atual: Foto de Alice Alinari, instagram: alice_alinari A Rainha da Beleza: Ninguém é mais bela do que a mais bela de todas! Em um futuro monárquico, onde nada é mais importante do que a mais perfeita aparência, milhares de garotas sonham com um...