Puxe Uma Cadeira

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– Sente-se. - Ordenou o Malabarista.

– Boa noite senhores. - Cumprimentei, com um sorriso de homem educado.

– Mais uma vez na reunião do porão. O assunto em questão deverá ser decidido hoje, sem objeções. Os registros são imutáveis, portanto, o que uma vez for decretado não haverá anulação. Está aberta a seção. - Disse o Rei, com as barbas que varrem a poeira e roupas semelhantes a de um mago.

– Viktor, está na hora de aceitar. Queremos lhe ajudar. E se nos entregar a caixa você voltará a ter paz. - Disse o Máscara 1.

– Haaaa! Eu já tenho paz.

– Viktor. Você não compreende? Nós lhe daremos vida outra vez.

– Sim Vik... Agora não parece, mas assim será melhor. - Disse a mulher com poderes de vidência. Lembro-me de quando ia a um parque com meu pai. Lá, conheci a Madame Cassandra, uma mulher forte e robusta de uns cinquenta anos, com os cabelos enrolados que pareciam ser queimados pelo sol. Um batom vinho fazia sua boca parecer maior e um rubor nas bochechas nada atraente. Na verdade, a única coisa em comum entre elas é uma intuição sobre o futuro... que sinceramente, eu nem acredito nessas coisas, pelo menos, não agora. Algo nesta mulher traz lembranças de Sam. Com certeza ela tem postura e carrega uma beleza muito maior que a Madame Cassandra.

– Vida? - Repeti, desacreditando.

– Esse lugar tem um odor diferente. Algo está fedendo e aposto que é aquele coração apodrecido. Por favor, acho que já não devemos ser tão flexíveis. Viktor Kee, seja maduro! Vamos lá, você sabe que chegou a hora. E se não nos der, nós vamos encontrá-lo. - Falou firme o Máscara 2.

– São os ratos!

– Do que está falando?

– O... Oo cheiro ruim que você disse. É. São os ratos. - Respondi me lembrando de manter o controle. - Se eles procurarem não vão encontrar... Eu acho.

Toc toc toc.

– Que barulho é este? - Perguntou o Rei.

Bam bam bam bam...

– O que tem ali dentro?

– Esperem! Não sabemos o que tem aí dentro. - Gritou a Vidente.

Com as duas mãos tocando o rosto da Vidente, revelando intimidade, o Malabarista diz: – Acalme-se. Não importa o que estiver lá dentro eu prometo que ficará lá!

Uma espécie de medo consome a reunião, mas a curiosidade nos provoca. A verdade é que eu sou responsável pela criatura que habita lá... Deveria ficar lá dentro, pois ele sabe onde está a caixa... Facilita o fato de que é mudo, entretanto acho bom mesmo que não esteja à vista. Suas mímicas são perigosas e possuem mais potência do que um grito.

Na fechadura foram lerdos, com medo e prevenidos. Ao abrir a porta foram ligeiros, de uma vez só e num só puxão o menino mudo cai no chão, totalmente amarrado em lençóis. Uma mordaça de camiseta - Mas ele não é mudo? - bem apertada lhe deixa marcado.

– Quem é esse? - Questiona surpreso, o Máscara 3.

– Ai meu Deus! O que aconteceu? Você está bem? Quem fez isso com você meu amor? - Desesperada e em prantos, a Vidente se esquece de qualquer postura e rala os joelhos tentando libertá-lo do emaranhado.

No rosto do menino está claro que já suportou muita dor, está aí, talvez a causa desse seu silêncio eterno. Na pergunta da Vidente, basta um olhar do menino mudo, o Malabarista voa como um urubu faminto e sem pensar, suas mãos me sufocam. De fato ele aperta minha garganta sem dó... Parece mesmo que quer me matar:

– Louco, louco, louco... Homem sem coração! - Berrou o malabarista.

Cof, cof...

– Solte-o agora! Agora! - Salvou-me o Rei.

Cof, cof, cof... Estou tentando me recompor. Vamos lá, Viktor... Inspira... Expira... Inspira... Expira. – Tem razão! Sou um homem sem coração. - Fiz questão de reafirmar.

– Vik. Por favor! Estamos cansados. O que está acontecendo com você? Entregue a caixa. Você será livre. - Ainda no chão, a Vidente, com a voz chorosa e o menino nos braços me comove, mas, não permito.

Todos agora estão mudos. O silêncio mostra um certo cansaço. É horrível! Os máscaras estão em um canto qualquer junto com os ratos e as tralhas de porão, assustados. O Rei está assistindo ao rancor sem palavras do Malabarista, que por sua vez, está sentado, mirabolante em algum plano que com certeza me envolve. E a Vidente consolando o menino com uma canção no seu ouvido e um leve balanço que o acalma.
Essa cena tenta me condenar, me culpar, mas, não me deixo levar. Agora não é hora de fraqueza. A quem quero enganar... Esse silêncio todo está me corroendo.

Nesse deslize eu corro! Subo as escadas como se fosse saltá-las sem pisar degrau a degrau. Vou de um extremo ao outro, no meu cantinho que agora está desativado, meu ateliê. Tranco a porta e me isolo até que desistam de suas conspirações maléficas. Ainda ouço alguns resmungos e murmúrios, já devem ter subido ao térreo. Não é possível compreender. As palavras não chegam aqui. Uma armadilha?

Deve ser isso. Chegamos em um tempo crítico. Nunca imaginei que o Malabarista, o Rei, a Vidente e o Menino mudo me deixariam só. Traição! Agora estão do lado de lá?

Você não lembra? Foi você, Malabarista, que me ensinou a viver nesse mundo ... O Rei me acolheu como um pai... A Vidente me alegrava e de uma forma suave e macia me fazia lembrar de Sam... E o Menino mudo me implorava para contar alguma história e isso, me trazia a dor da ausência de Estevão... uma dor atraente. Uma dor que me fazia sorrir.
Você lembra? Foi você, meu amigo Malabarista... Que a dez minutos atrás tentou me matar!


Kingdom Park (História Completa)Onde histórias criam vida. Descubra agora