De um jeito monstruoso, a maçaneta circular da porta está sendo sacudida. Eles ameaçam arrombar. Eu já não tenho para onde fugir. Eu poderia pular da única janelinha que tem no sótão... ninguém morre duas vezes. Antes, eu preciso pegar a caixa que está atrás das prateleiras que suportam algumas tralhas de pintor. Após algumas latas de tinta eu encontro uma pequena porta... quem dera fosse um caminho para o País Das Maravilhas... sem maçaneta, apenas um pequeno pedaço da parede que se abre. Lá está a caixa. O meu coração está violento como se quisesse ter um corpo para desempenhar sua função de latejar compulsivamente. No canto do cofre tem algo brilhando. É o punhal. Sam, deve ter lavado e guardado aqui.
– Viktor. Você não tem para onde fugir. - Disse calmamente um homem com uma máscara hospitalar enroscada nas orelhas e abaixo do queixo. Este personagem eu ainda não conheço. Está vestindo roupas sociais e não parece querer me atacar, pelo contrário, descansa as mãos nos bolsos.
– Vocês não vão pegar a caixa! - Falo firme, sem perceber que estou apontando o punhal em sinal de guerra.
– Viktor, meu filho. Você precisa abaixar essa faca. - O Rei tentou apaziguar enquanto um a um entravam na sala.
– Senhor Antony, não vou machucá-lo.
– Viktor. Eu não sou o senhor Antony e muito menos um rei.
– Você precisa ver a realidade! - Disse o Malabarista. – Eu também não sou um malabarista.
– Vik... - Chamou-me a atenção a voz carinhosa e chorosa da Vidente. – Por favor, querido. Olhe a sua volta e veja onde chegamos.
– Eu sei, Cassandra, eu sei. Só não entendo porque eles querem o meu coração... - Falei com mais humanidade, para que lembrassem que estamos do mesmo lado, e confuso com a faca no meu pescoço.
– Papai... - Correu o menino mudo, sem medo do punhal, e envolveu seus braços no meu corpo colocando sua orelha na minha barriga como se quisesse escutar um coração.
Papai... Quando ouvi o menino me chamar e me abraçar eu senti o contato humano, o calor do corpo frágil do meu filho, Estevão. Eu senti amor. Senti de novo alguma coisa pulando dentro do meu tórax. Um coração de carne que voltou a respirar! As escamas dos meus olhos caíram e de uma forma surpreendente e dolorosa reconheci o rosto do meu amigo, Oliver, o Malabarista que foi como um irmão órfão, Lara, a Vidente que me protegeu e o pai da Samantha, o Rei que foi o conselheiro. Caí de joelhos em frente a caixa que carrega um coração. Um fedor de carniça pairou no ar enquanto eu abria. Os psiquiatras distribuíram máscaras e todos ficaram em silêncio, esperando o luto tomar conta de mim. Deixei cair uma lágrima que se uniu ao sangue seco e pareceu uma gota viva. Na minha mente nada faz sentido. Uma turbulência me incomoda dizendo que pareço meu pai, com palavras duras: "Você não é uma boa esposa" ou "Você é inútil, prefiro ficar sozinho..." Naquela noite de lua fraca e frio aborrecedor, Sam já estava dormindo. Eu me deitei para acompanhar e acordei mais uma vez na chacoalhada daquele pesadelo de uma mulher gritando. Eu pensei em pedir desculpas para Sam, apesar de saber que ela já não era mais a mesma. É como se eu tivesse lhe contaminado com um vírus sem cura. Mesmo que eu pedisse perdão, seria difícil trazê-la de volta. Quando me virei a favor, senti sua falta. A luz do banheiro estava acesa e com enrosco na garganta gritei pelo seu nome e não fui correspondido. Levantei com muito frio, e lá estava Sam, dentro da banheira de sangue com o punhal fincado na barriga. Me aproximei como culpado, e não soube o que fazer com tantos furos que já havia feito em seu corpo. Foram várias vezes que a lâmina penetrou que algumas parte já estavam rasgadas como uma boneca de pano. Seus olhos estavam me olhando friamente e sua pele estava tão branca que acredito que todo seu sangue escorreu pelo ralo. Me senti como "Hitler" que incitava sentimentos de depressão e suicídio em suas mulheres. Me senti como aquele soldado que matou minha mãe. Em cima, no armário do espelho, tinha uma caixa branca e prata que Sam guardava algumas joias. Pensei em guardar uma joia valiosa para mim... Eu não empurrei a minha esposa de uma roda gigante, entretanto não demonstrei o quanto a amava.
– Meu amor. - Falei, chorando de forma selvagem. – Agora está tudo bem! Ficaremos juntos para sempre. Finalmente encontrei a cura... Já encontrei abrigo. - Rasguei a única parte que ainda estava intacta. Eu podia ouvi-lo... ele ainda estava vivo. Mantinha seu ritmo e estava mais acelerado do que nunca...
Eu roubei seu coração!
Olhei em volta, como Lara havia pedido e senti uma dor no peito muito forte. Essa é prova de que ainda tenho um coração de carne, pelo menos, por que o meu coração de alma ficou naquela caixa. Me rendi! Entreguei a caixa e permiti que me levassem a sala do hospital psiquiátrico... A sala com o portal de aço.
Apaguei...
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Kingdom Park (História Completa)
Short StoryEla veio em um dia de chuva. Em busca de um coração ou mesmo de uma vida. Quando os sentidos falham, a jornada em busca de si mesmo percorre os caminhos longos, estranhos, bizarros de sentir e não sentir. Viver ou morrer - morrer ou viver. À procura...