03 | Duas luas

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E novamente me encontro em um campo de grama alta. Camponeses e seus filhos passeiam pelo milharal próximo e alguns animais brincam entre si.
O leve feixe solar nutre minha pele, e me passa uma sensação de calma.
Eu deveria estar assustado por sempre lembrar daquele lugar ou o encontrar em sonhos. Mas a verdade é que tudo ali era tão belo que me fazia perder a vontade de sair e até mesmo a fala. Diante de tamanha misticidade, eu era só um mero nobre.

Um lugar tão familiar quanto aquele me fazia esquecer que precisava voltar.
Sem contar com o fato de que eu deveria ter me desapegado de sonhos infantis há muito tempo.

Jamais encontrarei alguém para passar o resto de minha vida ou terei crianças para cuidar.
Meu jeito rabugento e extremamente protetor me proíbe de ter qualquer tipo de relacionamento.

Talvez seja por isso que eu tenha me fechado por completo.
Porque eu percebi a bagunça que sou.

Meu corpo continuava meio dormente, então apenas abri os olhos lentamente. Minha visão encarou o teto da cama: detalhes tão complicados naquele pano fino, que eu sequer era capaz de listá-los.
Inclinei o rosto um pouco para o lado e algo mexeu-se no teto da cama. Instintivamente, prendi a respiração, e à medida que os movimentos foram parando, eu apertei o lençol entre meus dedos.

Fios cor de pêssego começaram a aparecer, e eu pude finalmente ver sua feição claramente: um garoto bem jovem, com um rosto muito bem traçado.

— Ah — disse — você acordou — seu comentário fez com que Hoseok, que estava deitado em uma das poltronas do outro lado do cômodo, se levantasse.

O garoto do cabelo de pêssego desceu do teto da cama, e quando vi que ele carregava uma arma, me sentei imediatamente. Era uma espada tão brilhante e... tão provavelmente afiada.

— Como se sente? — Hoseok indagou. Entrelaçou suas mãos por trás das costas ao que se aproximou da beira da cama.

— Bem, eu acho.

Engoli em seco.
Era impressão minha ou havia muita pressão ali?

— Onde estou? — indaguei. Hoseok sorriu.

— Em casa.

Olhei ao redor, tentando identificar aquele local. Definitivamente, aquela não era minha casa.

— Essa não é minha casa — murmurei.

Quando vi que Hoseok abriria a boca para dizer algo, a porta do quarto foi aberta. Dela, surgiram alguns guardas. Em seu centro, havia Changkyun.

Me levantei completamente afobado, quase que cambaleando e caindo pelo chão. Changkyun sorriu ao me ver e me abraçou. Ele certamente deve ter chorado muito, já que é uma das pessoas mais sensíveis que conheço.

— Como está? — perguntei a ele. Im apenas sorriu e enterrou sua cabeça contra o meu peitoral, aproveitando meu cheiro sempre que estava com medo — está tudo bem — sussurrei. Em seguida, olhei para Hoseok, que nos observava.

— Eu não o machuquei, se é isso que você está pensando — disse Hoseok — ele dormiu em um dos quartos de hóspedes. Kihyun o vigiou a noite toda — apontou para o garoto de fios pêssego.

— Kihyun? — indaguei. O mais baixo fez uma reverência em resposta e sorriu.

— Vamos tomar café, Hyungwon? — Hoseok perguntou ao que se aproximava. Changkyun, aos poucos, afastou-se de mim. Kihyun aproximou-se do meu melhor amigo, claramente envergonhado e apenas acenou com a cabeça para que ele andasse. Changkyun também estava muito envergonhado. E eu o entendia.

Afinal, como não ruborizar com Kihyun? Ele é muito bonito.

Hoseok tocou minha cintura graciosamente e retirou fios teimosos de meus olhos. Nos observamos em silêncio, e eu aproveitei para admirar cada traço de seu rosto. Hoseok era tão bem desenhado, parecia ter saído de um conto de fadas.

— O que você quer comer? — perguntou.

Limpei a garganta antes de responder.

— Qualquer coisa.

Hoseok sorriu sem vontade.

— Você quer ir embora, não é? — assenti — você está em casa, amor.

A-Amor?

— E confie em mim — ele se afastou minimamente para então estender sua mão em minha direção — você não vai querer sair daqui.

E, inconscientemente, eu aceitei sua mão.

Hoseok entrelaçou seus dedos nos meus ao que caminhávamos pelos largos, longos e requintados corredores. Era uma mansão enorme, acho que ali cabem doze estádios de futebol. Ou até mais.

Por quê tão luxuoso? Por quê tantos empregados?

Para quê tantos... guardas?

Hoseok gentilmente arrastou a cadeira para que eu me sentasse, e na outra ponta da mesa, ele se acomodou. Mordomos começaram a nos servir e a indagar o que queríamos. Até mesmo Changkyun começou a comer. Por quê eu não comeria?

O primeiro prato era uma torta de maçã. Deliciosa, devo admitir. Nunca havia comido algo tão saboroso.
Olhei para Changkyun, que sorria enquanto Kihyun conversava com ele. No fim, o de fios pêssego era uma boa companhia.

Mas aquela espada ainda me dava arrepios.

— Quer conhecer o reino, Wonie? — Hoseok perguntou quando o tilintar dos talheres e copos eram a única coisa audível, fora a minha respiração ainda amedrontada.

— Reino? — indaguei. Changkyun e Kihyun me olharam.

— Sim — sorriu — Grareb é maravilhosa. Você vai gostar de conhecer.

Grareb? Em qual lugar do mapa isso ficava? Era possível sair dali?

— T-Tudo bem — foi tudo o que respondi.

Eu precisava sair desse lugar.

Quando terminamos a refeição, Hoseok pediu para que apenas dois guardas — e Kihyun — fossem conosco. Não o questionei, todos ali pareciam o obedecer.
Ao ir para o lado de fora, uma carruagem nos aguardava. Dois cavalos brancos maravilhosos e bem cuidados seriam guiados pelo homem. Ali não tinha carro?
Eu e Changkyun nos entreolharmos e demos de ombros. Nos sentamos nos bancos almofadados: Kihyun ao lado de meu melhor amigo, e Hoseok ao meu lado.

— Sugira um lugar, Kihyun — Hoseok disse e Kihyun ponderou um pouco.

— A Capital seria uma boa, não?

— É verdade. Vamos comprar as vestimentas certas para esses dois — olhei para Hoseok, que deu-me um sorriso de canto. Kihyun disse ao "motorista" o local que queriam ir, e então a carruagem entrou em movimento.

Um silêncio absurdo se instaurou no veículo. Mas meu coração borbulhava, gritava e esperneava.

BLUME 「 2Won 」Onde histórias criam vida. Descubra agora