I. HOJE

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O alarme anunciava o horário do café. Lentamente, um a um dos prisioneiros dirigiram-se a cantina para servirem-se de um pão seco com margarina e de um copo de plástico com café e leite. Leonardo ainda não havia se acostumado, mas, pelos próximos anos aquela seria a sua rotina.

Fazer amigos no presídio era necessário, só que ali era diferente. Leonardo tinha ensino superior, tinha um cargo importante no Ministério Público, e isso, por si só, garantia a ele um tratamento especial. Grande coisa! pensava. Leo tinha um banheiro e um quarto só para ele, e isso não o confortava nem um pouco. Comia o que os demais comiam, a interação era com "colegas", mas os motivos pelos quais estavam ali eram assombrosos para cada um, e, talvez por isso ninguém conversasse sobre aquilo.

Leonardo quase não se abria com ninguém, afinal sempre lhe olhavam torto pela forma como os tratara no passado. Muitos ali estavam naquela situação por causa dele. Ele os acusou, mas acusação era o seu trabalho e embora estivesse na mesma situação que os outros, Leonardo não se arrependia, eles foram maus e pagariam pelos crimes que cometeram, assim como ele estava pagando pelo seu.

Ao postar sua bandeja sobre a mesa, Leonardo sentiu a presença de Alberto, um detento em cárcere por lavagem de dinheiro.

– De patê, geleia importada e queijos suíços a um pão com margarina mais engordurada do que óleo de pastel de feira. É o fim do poço mesmo. Nem acredito que consegui isso! – Alberto jogou o pão em cima da mesa descontente.

Leonardo não respondeu. Sempre tinha gostado de pão com margarina, havia comido durante toda a infância e durante a faculdade também. Depois que as coisas melhoraram em sua vida financeira é que ele incluiu novas coisas no café da manhã, mas ali contentava-se com qualquer comida decente que enviavam. Pior seria se fossem quatro biscoitos e um copo de café puro.

–  Hoje é dia de visita íntima. – o outro comentou. – Mal posso esperar pela morena.

– Qual delas vem hoje? – Um irônico Leonardo perguntou.

– Não sei, cara. Já são tantas semanas aqui e todas iguais que me perdi na contagem. Não é fácil administrar o poliamorismo quando estamos aqui dentro. – Alberto riu, arrancando um meio sorriso de Leonardo que concordou. – Mas e você, Leo. Nenhuma visita hoje?

Quem além de sua mãe e seus irmãos o visitariam ali? Os poucos amigos que tinha na profissão abandonaram-no no instante em que tiveram que denuncia-lo. Sequer os julgava, mas talvez guardasse mágoas por não saberem separar as coisas. Por outro lado também os dava razão, pois não era bom para a reputação de qualquer deles a amizade de um prisioneiro. Um promotor prisioneiro. Que irônico.

–Quer que eu peça para alguma amiga das minhas mulheres vir pra você? Acho que com um pouco de influência a gente consegue facilitar a entrada de alguma mulher aqui. – Alberto questionou após constatar a demora na resposta de Leonardo.

– Não, Beto. Não preciso de mulher nenhuma na minha vida, quero fugir de problemas.

Nos pensamentos de Leonardo, com toda a repercussão do seu caso, quem também poderia querer ele em sua vida? E ali dentro conhecer alguém também pareceria bastante promissor, não é?

 "Oi, eu sou Leonardo, um ex promotor e agora presidiário, como você pode ver. Vou ficar aqui por alguns anos, e tira a roupa logo porque você só pode estar vindo por sexo, qualquer outra coisa eu não tenho para oferecer pra você". 

Ele riu do próprio pensamento e tomou um gole do café e leite que já estava frio no copo.

A manhã estava fria e chuvosa. Por um lado aquilo era positivo, visto que não precisaria tomar um banho de sol. Estava indisposto, como sempre estava todas as quartas de visitas íntimas, e não ver a movimentação dos demais detentos felizes por estarem satisfeitos sexualmente já engrandecia sua alma atormentada pelos erros do passado.

O que o levou àquele lugar foi somente a luxúria. Nunca contentando-se com pouco, deixou-se levar. Foi seu erro, um erro que custou duas vidas, uma delas a dele. 

JealousWhere stories live. Discover now