VI. O JÚRI DAQUELA TARDE

17 2 2
                                    


- Por que você não me defendeu, Leo? - Ana demonstrava irritação. - Aquele não era o meu trabalho e agora você deu um prato cheio para que fiquem fazendo caso de mim.

- Como eu disse, Ana, o trabalho ali é de todos, e digitalizar é algo simples, você já fez isso antes, lembra? Fez pro Victor, inclusive. - Leonardo respondeu enquanto caminhava com Ana para a sala do júri.

- Mas aquilo foi no começo, logo quando ele chegou que precisava de ajuda. Hoje ele já tem os estagiários dele. - ela respondeu rapidamente.

- E você é minha estagiária, certo? Então é seu trabalho também. - Leonardo quis encerrar o assunto e cumprimentou outro colega para impedir que Ana retrucasse.

Eles sentaram-se logo nos primeiros acentos da sala que estava completamente cheia, uma vez que aquele caso havia repercutido muito na mídia e que havia causado bastante comoção social.

- Tome anotações, Ana. Esse caso é importante para o seu crescimento como uma futura promotora de júri, que eu sei que é o que você quer.

Ana, que não havia levado qualquer caderno, pois sequer esperava estar ali, abriu o aplicativo de notas de seu celular.

- Sobre o que é o caso?

Por um momento Leonardo se perguntou em que mundo ela vivia, mas no segundo seguinte só conseguia pensar no tipo de mulher promiscua que ela era e que pouco se importava com o mundo a sua volta. Achou que ela fazia mais o tipo aproveitadora, e até fazia sentido, uma vez que ficar com dois promotores já não era pouca coisa. Se questionou até se ela havia flertado com o juiz, vez que ele designou alguns trabalhos para ela recentemente.

- Uma tentativa de homicídio. Felizmente a vítima sobreviveu e possivelmente virá testemunhar aqui, mas ela ficou com sequelas. Você logo verá. - Leo sussurrou, pois o serventuário do júri já iniciava os trabalhos.

O conselho de sentença, para todo o azar do réu, teve quatro mulheres sorteadas, fato que fez com que todos previssem que o resultado seria desfavorável ao acusado. E bom, não era duvidando do poder de julgamento parcial das mulheres, mas é sempre mais fácil para elas colocarem-se no lugar de uma outra.

Após todas as formalidades foi dado um resumo do caso: O acusado foi pronunciado, pois um ano atrás, nas dependências do local de trabalho da vítima, o réu a surpreendeu com golpes de faca, além de socos e pontapés. A vítima relacionou-se com ele durante 10 anos, quando decidiu por um fim ao relacionamento, já que estava envolvida emocionalmente com outro homem. O homicídio somente não foi consumado, uma vez que algumas testemunhas interviram, detendo o réu que foi preso em flagrante delito, e tendo sua prisão convertida em preventiva. Incurso no tipo penal de tentativa de homicídio doloso contra a vida, qualificado por motivo fútil e por meio que dificultou ou tornou impossível a defesa da vítima, o réu estava ali, pronto para julgamento.

Todos estavam ansiosos. Havia uma carga emocional imensa depositada no ambiente, visto que a vítima estava desfigurada. E pelas imagens exibidas num telão, pós o interrogatório do acusado, a mulher era muito bonita.

As testemunhas foram contundentes: Ele havia tido toda a intenção de mata-la. Só não o fez porque conseguiram impedir, mas a mulher sangrava muito e gritava por socorro. Ele, cego de ódio pelo fim do relacionamento, sequer se importava se ela viveria ou não. Era certo, ele a mataria se não tivesse sido interrompido.

Os debates foram longos e a cada nova menção ao estado atual da vítima, ela e muitos presentes se emocionavam. A vítima não quis dar seu depoimento, não tinha psicológico para tanto. Já era um esforço enorme estar ali frente ao seu algoz. Mas quis fazer-se presente, pois se a justiça existisse mesmo, ela estaria ali, como testemunha da sua realidade.

Ana entediou-se no final. O júri havia se retirado para deliberar e Leo comentava o julgamento com Jorge que estava ao seu lado. Num instante o celular de Ana fez um barulho de chegada de mensagem. Leonardo olhando de soslaio viu que tratava-se de Victor.

"Como está o julgamento? Queria estar ai!"

Ana tentou afastar o celular, não obstante tivesse constatado que Leo estava ocupado o suficiente conversando com o chato serventuário.

"Estaria bem melhor se eu pudesse ver você por aqui" - respondeu.

O sangue de Leonardo ferveu mais uma vez. Ela efetivamente estava se relacionando com Victor. Aliás, viu algo em Ana que não havia reparado antes e não esperou outra oportunidade para questionar.

- Gostei da sua pulseira, não havia visto antes.

Ana imediatamente aparentou nervosismo. Sabia que Leonardo era detalhista, mas perceber aquela pulseira era algo tão pequeno.

- Ah, é uma pulseira antiga. Ganhei há anos da minha mãe, gostou? - ela estendeu o braço.

- Para ser velha está bastante conservada. - Leonardo aproximou os olhos do pulso da mulher. - Um ótimo gosto também o de sua mãe.

Ana baixou o olhar constrangida, Leo não era bobo e sabia que a mãe dela não teria condições de pagar uma pulseira daquelas. Além do mais, ele era um homem "rico", reconheceria o valor daquela pulseira de longe. Uma gafe que ela não acreditava que ele perceberia.

- Você acha que ele vai ser condenado? - Ana mudou o assunto.

- O que você acha? - ele voltou sua atenção a ela.

- É meio óbvio que será condenado, o que talvez se discuta seja a qualificadora. Há controvérsias que ciúmes seria um motivo fútil, certo?

- Ciúme é sempre um forte motivo, Ana. - o olhar duro de Leonardo, bem como a face sisuda causaram um certo arrepio em Ana. Ela nunca o tinha visto assim. - Por ciúme as pessoas são levadas a cometer o que nunca achariam que seriam capazes. Porém olhe aquela mulher. Estar viva é um presente, claro, mas ela sempre será atormentada por esse fato isolado em sua vida. E embora o que eu fale pareça insensível, eu, no lugar dele não teria corrido o risco de deixa-la viva. Se eu seria condenado de qualquer forma, o serviço haveria de ser completo, se não de nada adiantou, digo, ela continuaria viva e sofrendo por um trauma.

- Você seria capaz de matar, Leo? - Ana questionou novamente arrepiada.

- Só estou dizendo que eu não cometeria a falha que ele cometeu, Ana. - Leo comentou. - Mas fica tranquila, eu não tenho porque ter ciúmes de você, não é? - sussurrou.

E ele levantou-se assim como todos os outros com a volta do júri que já vinha pronto com o veredicto. Ana mal ouviu que o réu foi julgado culpado e condenado, estava atordoada, pois sentiu Leonardo diferente e sentiu um calafrio imenso, algo como medo.

JealousWhere stories live. Discover now