Meum est imperium ad tempus. Não era comum a sala estar tão vazia. Geralmente, eu e os meninos sempre tínhamos que sair e ir até outras turmas à procura de algumas mesas e cadeiras. O Ginásio aqui de Xaxim era frequentemente atormentado pelo fantasma da "falta de verbas". Consequentemente, as vezes uma sala ou outra ficava sem mesas e cadeiras suficientes para todos os alunos. Contudo, hoje estavam sobrando lugares.
Passei entre as duas filas que estavam posicionadas no lado direito da sala e me sentei na quinta carteira - se contada na fila a começar pela mesa da professora -. Cely estava na carteira ao lado, pegando vagarosamente os materiais dentro de sua mochila; a típica cara irônica estampada no meio do rosto. Cely, de modo geral, era o antônimo perfeito do restante da população feminina da cidade. Tinha os cabelos longos e castanhos, a pele clara e os olhos bem escuros. Apesar de ter um gênio diferenciado, no quesito style era como a maioria das outras meninas: usava seus jeans de todo dia e sapatilhas de cor bege. Entretanto, o que fazia dela diferente mesmo das demais era o fato de ser a única que possuía como amigos, somente homens. Desde que havia se mudado pra cidade, há uns 18 anos atrás, só eu, Caio e Felipe mantivemos relações mais próximas com ela, o que por sua vez, acabou fazendo com que as demais garotas da escola pegassem pesado nas brincadeiras de vez em quando. Entretanto, ela nunca demonstrou estar mal por não ter feito amizades com o próprio gênero. Muito pelo contrário: não estava nem aí pra essas coisas. Era altamente autossuficiente. Ás vezes, até brincávamos com ela comparando-a a Max, de Stranger Things. Porém, com a gente, a história era bem diferente. Na maioria das vezes, acabávamos tomando uns bons tapas por ficarmos dizendo que ela era durona. Nós três gostávamos de apanhar? Não, claro que não. O negócio é que... Além de rirmos por ela ficar que nem um pimentão de raiva, sabíamos também que lá no fundo, o que Cely sentia de verdade era satisfação por poder sempre contar com a gente e por saber que, mesmo zoando com a cara dela, nós três juntos ainda não iríamos conseguir ter nem mesmo, a metade de sua determinação.
Assim que me acomodei, comecei a observar quem tinha e quem não tinha vindo naquele dia: Francis, Ester, Juliana, Isadora... Todos esses e pelo menos mais uns quinze estavam ausentes. Ainda estava reparando nos presentes quando Caio e Felipe conseguiram, enfim, chegar a um acordo com a professora Carolina a respeito do horário. Não era nem preciso pensar muito pra saber que pelo menos contrariada ela tinha ficado com a ideia. Contudo, não era por acaso que vivíamos falando que a Carol era a melhor das professoras.
- Alguém mais, além desses dois irresponsáveis aqui, ainda precisa terminar alguma tarefa que seja, ou não, de História? – incrivelmente, a maioria dos que ali estavam levantaram a mão para sinalizar que sim, inclusive Cely, sendo que ela, por sua vez, nunca ficava sem fazer os deveres. – Que bons alunos vocês são ein? Tudo bem. Eu tenho que terminar de corrigir as provas do segundo ano, então, aproveitem o tempo pra fazer seus benditos trabalhos. - Os ruídos de satisfação e interrogatório começaram a ecoar pela sala
- Até você? – olhei para Cely, incrédulo.
- Ah, nem vem seu lento. Não sou uma máquina; obrigada a sempre me lembrar das coisas.
- Eu não disse isso. Só disse que... Ah, deixa pra lá.
- Então Miguel. Já está pronto? – Felipe se dirigiu a mim depois de se sentar em cima da mesa que estava na frente da minha.
- O que? Meu texto? Ah, sim. Terminei uns três dias depois que o professor passou pra gente. – meu orgulho era totalmente visível.
- Não seu anta! Você sabe que estou falando do meu – Caio o fuzilou com o olhar. – Ah! E no do Caio também! - O encarei com desdém. Entretanto Felipe não costumava desistir fácil das coisas. Foi por isso que a Carolina cedeu e eu sabia que ele não ia parar enquanto eu não cedesse também... - Você não vai deixar nós dois na mão né? Pense na quantidade de vezes em que já te salvamos de alguma encrenca... Onde fica a amizade e o espírito coletivo? Ein?
VOCÊ ESTÁ LENDO
Tempus - A Criação
General FictionMiguel é um jovem de 18 anos que subitamente descobre inúmeros segredos a respeito do passado da humanidade e dos primórdios do mundo e do universo, que por sua vez, o fazem repensar diversos fatores relacionados ao início de tudo: até que ponto o q...