"Se meu coração fosse um inuit, dispensaria a cor branca das vestes e aderia a preta mesmo. Para aquecer aqui no meio." – Dani Leão. Eu estava parado. O lugar que me cercava era totalmente escuro e sombrio. A única fonte de luz detectável pairava sobre mim e definia de forma bem fraca, o pouco que minha visão conseguia captar do que era refletido exclusivamente pelo meu corpo. Lentamente, comecei a dar alguns passos muito inseguros em uma direção – se é que seria possível considerar as noções de localização naquele ambiente – totalmente aleatória. Era estranho caminhar sobre algo que eu não enxergava, não tocava e muito menos sentia. Isso transmitia, literalmente, a sensação de estar pairando no espaço, só que diferentemente do universo escuro que envolve o planeta Terra, o nada em que me encontrava permitia que eu me deslocasse e interrompesse os movimentos no momento em que me fosse mais conveniente.
Lembro-me de ter sentido vontade de gritar e chamar alguém. Entretanto, meu corpo parecia obedecer somente aos comandos de locomoção, ignorando, como uma criança que resolve dar birra nas horas mais inconvenientes, as minhas ordens de fala ou expressão corporal. Não sei de que forma e nem por que, mas meu rosto estava petrificado em uma única feição, ou seja, eu não conseguia mexer qualquer outro músculo de minha face e, sinceramente, isso era uma situação muito torturante. A certa altura, já desejando ansiosamente sair daquele lugar que aparentemente não tinha começo nem fim, nem entrada e nem saída, comecei a enxergar uma segunda fonte de luz que parecia estar bem distante de mim. Como não podia dizer nada, apressei-me para chegar perto do pequeno ponto luminescente e descobrir então, do que se tratava. Contudo, quanto mais rápido eu tentava ir, mais longe o pequeno ser parecia ficar. De forma totalmente equivocada, continuei tentando correr, até que a fadiga foi tomando conta do meu corpo e me obrigando a diminuir o ritmo de passos. Quando eu estava já praticamente andando, o oposto da situação anterior passou a acontecer: a luz foi ficando cada vez mais próxima de mim em um período de tempo incrivelmente curto.
...
- Você deseja me conhecer. Eu sei disso criança. Mas, fique tranquilo... Tenho uma boa notícia pra você. Quer saber qual é? – a voz que vinha do clarão era assustadoramente doce. – Me responda! Eu sei que você está morrendo de curiosidade... – eu não conseguia responder. Entretanto, não estava com medo. Apavorado talvez. Mas sem medo. A coisa tinha razão em dizer (estranhamente) que eu queria conhece-la – Ah que pena! Ele não consegue falar... – aquilo soltou uma risada: luminescente; profunda. Tão profunda que pude senti-la dentro de minhas entranhas, percorrendo minha espinha e eriçando todos os pelos dos meus braços. Definitivamente, aquela entidade não era o tipo de "personalidade" com quem eu desejaria fazer um lanche da tarde. Era por isso que eu já estava querendo dar uns socos no meu próprio rosto: como eu poderia querer tanto assim conhecer uma coisa que de longe já poderia ser dada como má? Infelizmente não tive tempo para refletir a respeito disso. Subitamente, a intensidade da luz que estava sendo emitida pelo corpo à minha frente foi reduzida e, enfim, pude identificar o que estava sendo protegido pelo forte brilho: uma mulher. Esbelta, alta, incrivelmente linda. Seus olhos possuíam um azul intenso e perturbador. Sua boca era significantemente sedutora e misteriosa, porém, a aguda sensação de dor que transmitia, como aquela provocada durante um profundo corte de navalha, ascendia vorazmente até os medos mais submissos que uma pessoa pudesse ter. Contudo, dentre todas as características que pude observar, a mais intrigante foi a cor de sua pele: incrivelmente clara, chegando praticamente ao puro e límpido branco, o que por sua vez, deixava em alto contraste, as negras veias que encontravam-se harmoniosamente entrelaçadas pelo correr de seus braços e demais partes expostas no pesado vestido de pérolas que, delicadamente, desenhava a perfeita silhueta. A mulher era a combinação hilária da maldade e da beleza que configuravam juntas, uma figura fria e visivelmente perigosa.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Tempus - A Criação
General FictionMiguel é um jovem de 18 anos que subitamente descobre inúmeros segredos a respeito do passado da humanidade e dos primórdios do mundo e do universo, que por sua vez, o fazem repensar diversos fatores relacionados ao início de tudo: até que ponto o q...