Sombras sabem falar

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           "Volta teu rosto sempre na direção do sol, e então, as sombras ficarão para trás." – Sabedoria oriental. Sinceramente, nunca deixe sua mente ficar repleta de pensamentos desorganizados. Vai ser muito difícil pra você conseguir colocar todos eles no lugar de novo e, quanto mais tentar entender o que eles estão fazendo estando tão perturbados no seu cérebro, mais erros você vai cometer. Digo isso porque foi exatamente a besteira que fiz depois daquele "chazinho com a Maria Maluca".

- Calma. Isso foi só mais um daqueles pesadelos bobos que você vem tendo. Não é nada demais. – definitivamente, não havia nenhuma certeza no que eu estava falando pra mim mesmo... – mas quem é que eu estou tentando enganar? Eu acabei de ver uma garota de cinco anos sair de um portal do nada e vir ter uma conversa ALTAMENTE descontraída comigo. E de brinde ela ainda me mostrou suas incríveis órbitas vazias! Claro! Todo mundo conversa com pessoas sem olhos! Quem nunca fez isso? Tá tudo bem. Relaxa. Vai dar tudo certo e nada aconteceu... - Nesse momento, era notório que nem mentir estava funcionando. Resolvi, mentalmente, listar o que eu tinha entendido do que tinha acabado de presenciar. - Deixe-me ver.. Primeiro uma garota no estilo Halloween me aparece em um dia totalmente aleatório (por que com certeza hoje é qualquer dia menos Halloween); depois ela me deixa uma pedra que parece estar viva, e por fim, posso dizer que estou parecendo um retardado tentando entender algo que simplesmente não faz o menor sentido! - No fim acabei desistindo do plano de tentar compreender coisas que visivelmente não tinham como ser compreendidas. A essa altura também, eu tinha objetivos bem mais importantes pra pensar... objetivos esses que eram do tipo missão quase impossível... do tipo "chegar na escola na hora certa".

- Acho que não dá pra piorar. Por favor universo, me diz que não tem como piorar esse meu lindo dia.

Entretanto, como sempre nessa vida, eu estava novamente errado.

              Depois de correr como um coelho faminto por cenouras, enfim, cheguei perto do portão da escola e, para minha grande alegria, ele estava fechado. Totalmente fechado. Nenhuma chance de entrar. Nada. E pra piorar, não havia nem sinal de alguma viva alma perambulando ou fazendo barulho lá dentro. Uma lágrima já brotava nos cantos dos meus olhos quando a reflexão começou a interromper meu desespero:

- Mas espera aí... Nesse horário a galera ainda nem se acomodou nas salas. Era para o barulho nos corredores estar insuportável. O que tá acontecendo?

              Impacientemente, andei de um lado para o outro, percorrendo todo o perímetro da grade de aço, tentando de alguma forma, obter um ângulo de visão que me permitisse ter uma noção melhor do que estava rolando lá dentro. Infelizmente, continuei da mesma maneira como cheguei. Tive a ideia de dar uns gritos, chamando o seu João, o porteiro, mas depois imaginei que, como não havia barulho algum, provavelmente ele também não estaria presente. Era inútil. Eu levaria o maior zero da minha vida e nem teria um argumento lógico para defender o que restasse de minha reputação. O que mais me incomodava nessa história era a inegável decepção de mamãe. Pra falar a verdade eu estava pouco me lixando pro que a diretoria viesse a falar comigo. O que importava de verdade é que eu já tinha vacilado com A superiora logo quando sai de casa e, pelo desenrolar das coisas, ela teria mais um motivo pra me dar gelo.

             Já me preparava pra ir embora quando algo me instigou a olhar para as árvores que ficavam ao lado do muro que delimitava a área da escola. Relutei a fazer isso de início, mas, por fim, acabei me virando e descobrindo...

- Nada. Eu só posso estar maluco... Ali só tem algumas... Sombras... – então, notei algo diferente.

             Pelo que me recordava das aulas de Física, as sombras só se moviam quando seguiam a dinâmica dos movimentos da luz. Contudo, aquelas não faziam isso: elas se deslocavam independentemente do modo como às árvores fossem iluminadas. Gradualmente, a minha insegurança foi consumida pela curiosidade que, por sua vez, me obrigou a ir em direção daquelas altas plantas na esperança de que, seja lá o que estivesse acontecendo, mostrasse-se ser somente mais uma das minhas inúmeras paranoias. Na verdade, estava rezando pra que aquilo realmente não passasse de uma simples cisma da minha cabeça.

Tempus - A CriaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora