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O seu corpo pequeno e frágil é atirado para o chão sem mostras de qualquer piedade. A porta de ferro range ao fechar. Já se habitou a esse som. Já se habituou à escuridão. Estar ali é tudo o que sempre fez, contudo não é tudo o que se lembra. Lembra-se, por exemplo, de ter alguém. Não alguém que o maltrata e o mantém prisioneiro como um animal, mas alguém que cuida dele e que o ama. Lembra-se, acima de tudo, de se sentir completo.

A escuridão já não o assusta, embora às vezes ele receie a sua escuridão e o que nela habita. Dormir é um risco, mas é também uma necessidade. Sobretudo depois do dia que teve. Enrola-se até se sentir confortável e encosta a cabeça no antebraço. Fecha os olhos e deixa que a escuridão à sua volta o transporte para outras paragens. Vê-se num sítio diferente, um sítio branco e luminoso, com pessoas a olhar para ele. Sente-se bem, sente-se seguro, mas não se sente ele. Não por completo.

São diversas as vezes em que se sente transportado para aquele lugar, para aquela alternativa. Nunca passa dali. Contenta-se em observar a felicidade, em sonhar com ela. Desta vez, no entanto, sonhar não chega. É preciso viver. E para tal é preciso unir-se com o menino deitado na cama, o menino igual a ele, mas que não é ele porque ele está ali, na escuridão, no desconhecido, e o menino não.

Estica a sua mente como se estivesse a esticar o braço. Estica até sentir a mente do menino unir-se com a dele. Deixa-se então levar para um lugar colorido e lindo, onde um pequeno ratito anda aos pinotes, brincando com um novelo de lã.

Um lugar onde se sente completo.

FIM

   

INTERSECÇÕES - Fragmentos 0.7: O HOMEM DE FATOOnde histórias criam vida. Descubra agora