Violet

Capítulo 14

"Eu sei que um dia você terá uma vida linda.

Eu sei que você será uma estrela no céu de outra pessoa.

E por quê? Por que não podia ser no meu?"

Pearl Jam – Black

Meu pai deixou algum dinheiro, a casa, seu carro e eu ainda não havia conseguido colocar as coisas em ordem nesse sentido. Não fico feliz em dizer que precisei trancar a faculdade. Eu não estava conseguindo lidar com o ritmo das aulas e estudos. Minha meta era retornar no ano seguinte, mas até lá eu precisava decidir o que fazer da minha vida. Não estudar mais na BU também significava que eu não tinha mais onde morar em Boston.

Decidi cumprir minha promessa e passar um tempo com Amelia na Florida. Mandei um e-mail para Gabriel. Já disse que ele se tornou meu procurador. Porém como eu passaria um tempo fora, deveria deixar outro tipo de documento assinado pra ele. Eu sei que poderia ter deixado na caixa de correio, mas quando finalmente cheguei em frente ao prédio dele senti uma irresistível vontade de vê-lo.

O porteiro me anunciou e no elevador minhas mãos já suavam frio. Não tinha borboletas no estômago, tinha pombas, papagaios, periquitos, um aviário inteiro me revirando a barriga. Quando desci do elevador o enxerguei na porta aberta do apartamento. Me aproximei e ele me deu um beijo rápido no rosto.
O apartamento era bem decorado, seu estilo todo moderno e as luzes calculadas para ambientar perfeitamente cada local. O conceito era aberto e muito espaçoso. De fato uma noite no Hilton não me parecia mais tão cara para quem podia viver num lugar como aquele.

Olhei ao redor e ele me convidou a sentar na sala. "Gostaria de beber alguma coisa?", ele disse polidamente, como se recebesse uma visita formal.
Claro, aquela era de fato uma visita formal. Mas eu não esperava ser tratada tão clinicamente, com um distanciamento estoico. Respondi com um "não" de cabeça.

Ele serviu um copo com uísque para si e veio para a sala. Corri os olhos pela estante, entre os livros de direito e outros de filosofia e ficção estavam lá, porta retratos com fotos da família, uma foto divertida dos quatro irmãos no jardim da casa, seus pais de braços entrelaçados no dia de seu casamento, e mais abaixo, numa moldura de madeira pintada de branco, ele e Lorelay. Rostos próximos, talvez numa festa ou evento elegante de advogados, sorrisos de pose e mãos dadas.

Entreguei a ele o documento ainda desconcertada pela demonstração de território daquela foto. Uma foto na sala é um tipo de declaração. Não é um beijo escondido no corredor ou na porta de banheiro, não é um réveillon em quarto de hotel. Uma foto na sala é sua forma de dizer "este local pertence a duas pessoas", mesmo que a segunda pessoa não more ali. E foi então que me ocorreu, será que ela morava ali?

Meu choque foi evidente. Gabriel perguntou se estava tudo bem. Eu me levantei do sofá e comecei a olhar ao redor, buscando não pistas de convivência, mas de permanência de Lorelay naquele lugar.

Pode parecer que eu enlouqueci. De certo modo eu nunca agia de maneira perfeitamente sã perto de Gabriel. Ele percebeu o que eu estava fazendo. Na verdade parecia que o local tinha sido retocado nos últimos 2 minutos para que nada estivesse fora do lugar.

"Sei o que está pensando.", ele disse vindo atrás de mim enquanto eu olhava em volta. Me virei de frente para ele no tom mais sério que podia esconder o quão ferida em me sentia eu disse: "Então fale. Não me obrigue a perguntar, Gabe.". Ele passou as mãos pelo rosto e respirou fundo, como se estivesse procurando as melhores palavras para partir meu coração cuidadosamente. "Eu e Lorelay vamos nos casar. Estamos morando juntos há um tempo.".

Eu quase consegui escutar o silêncio, meu sangue fugiu do rosto.
"Foda-se. Foda-se você e a Lorelay e seu coque perfeito e seu sotaque pomposo. Fodam-se vocês dois e essa merda de apartamento perfeito, e seus empregos perfeitos e futuros filhos perfeitos. Eu odeio você.", foi só o que eu consegui dizer antes de bater a porta da saída atrás de mim.

Isso que eu estava tentando evitar o Karma ruim. Não deu muito certo.