O Bailarino

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15/08/20XX

Estava chovendo. Ele estava se molhando.

Porém simplesmente não conseguia sair dali.

Min Youngsun

19/03/2015 - 10/08/20XX

Aos pés do túmulo de sua irmã. Morta há cinco dias por um assassino. Não tinha nem 10 anos.

Estava pouco se importando que ficaria doente; tudo o que queria era ter a irmã de novo. Mesmo que soubesse que seria em vão.

Devagar, pôs as flores ao pé da lápide e se levantou, limpando as suaves lágrimas que escorriam de seus olhos frios e já sem vida dentro, e caminhou vagamente para a velha mansão abandonada dos Kim.

A mansão dos Kim era considerada um lugar mal assombrado. Numa noite de agosto, toda a família fora assassinada a sangue frio. E a partir disso... Já houveram diversos relatos de um jovem aparecendo ali, além de um som de piano tocando toda noite de lua cheia... Mas ele não se importava com isso. Em todos os seus vinte e tantos anos de vida, nunca acreditara em fantasmas nem em nada do gênero. Não sentia medo das velhas histórias sobre os Kim. Pelo contrário, aquele lugar totalmente empoeirado e sem vida era onde ficava o piano que sua irmã tanto gostava de ouvir.

Ela era uma bailarina. Adorava música clássica. E ia direto ali com ele, para dançar as músicas que ele tocava no piano para ela.

Porém... Agora que ela se fora... Não havia mais motivos para fazer aquilo. Porém queria... Era um jeito de lembrar da garotinha.

Só que ao invés de tocar as que ela gostava... Tocava músicas melancólicas e tristes. Porque refletiam seu estado agora.

Era lua cheia hoje... E o som do piano que todos relatavam ouvir não era nada sobrenatural. Era apenas ele, ali, refletindo seus sentimentos pelo som do instrumento, que ecoava como uma agonizante lamúria, um choro silencioso vindo de dentro de seu coração, sendo traduzido pelos leves movimentos que seus dedos faziam sobre as teclas empoeiradas e gastas.

E como sempre... No meio da música seu coração pesou. Sentia falta da irmã ali, dançando lindamente suas músicas, parecendo um raio de sol rodopiante em meio à leve névoa de poeira que se erguia quando os sapatinhos de cetim dela tocavam o solo. Tudo estava sendo muito difícil...

Agoniado, sacou um isqueiro e uma caixa de cigarros já pela metade do bolso, pegou um, pôs na boca e o acendeu, tragando profundamente e soltando a fumaça sem pressa, como se ela o fizesse morrer mais rápido. A fumaça cinzenta parecia azul à leve penumbra luminosa que a lua fazia, sendo bloqueada apenas pelas paredes rachadas e gastas. Mesmo assim, não sentia remorso nem medo de que algo fosse acontecer. Se acontecesse, que morresse logo. Nada mais fazia sentido para si.

Um frio congelante lhe tomou conta repentinamente. Sentiu os cabelos de sua nuca, já crescendo novamente, se arrepiarem. Mesmo assim não deu importância. Terminou seu cigarro lentamente, e quando se virou achou estranho a quantidade de fumaça que estava presa ali. Apenas um cigarro não seria suficiente para produzir tanta fumaça. Mas não se importava com aquilo também.

Percebeu os sons pararem. Coaxares de sapos, cantos de grilos e corujas, silvos de outras criaturas noturnas... Tudo parou. Até mesmo o som da chuva caindo como suas lágrimas no solo e nos telhados das casas que ficavam aos arredores dali. Porém o pianista nem notou isso. Só notou que o ar agora ficara com um leve aroma de flores... Lírios. Brancos. A imagem das flores se projetou em sua mente como uma foto fantasmagórica, porém desapareceu tão rapidamente quanto surgiu.

Voltou a mover os dedos pelas teclas daquele piano marrom gasto e repleto de rachaduras e arranhões, como se tivesse sido atacado duramente por um machado. Tocava a música mais dolorosa que tinha em mente... Quando sentiu que não estava só. Mas novamente, pouco lhe importava se houvesse algum assassino ali. Que lhe matasse, pelo menos dormiria eternamente ao lado de sua irmã.

Porém sua curiosidade foi maior. Ergueu os olhos para o cômodo antes vazio, e viu, surpreso, em meio à espessa fumaça azulada, um garoto.

Ele parecia brincar com a fumaça ao seu redor, a afastando e puxando diversas vezes. Tudo em si possuía um tom brilhante e azulado, como se ele fosse um pedaço da lua andando em terra firme. Dançava ao ritmo da música tocada por ele, com movimentos graciosos e leves, como se flutuasse enquanto dançava. Seus lábios estavam curvados num sorriso suave, e os olhos, num azul vivo, estavam esmaecidos e suaves, entreabertos, quase invisíveis. Os cabelos se moviam junto à graciosidade e leveza dele, e os passos quase não faziam som quando tocavam o chão. Um leve tecido de seda azul brilhante lhe cobria o corpo, e nada além daquilo. Era uma camisa incrivelmente larga... Mas que lhe caía perfeitamente.

Pela posição dos pés, o pianista deduziu que ele era um bailarino. Igual à sua falecida irmã.

Não parou de tocar, apenas porque estava hipnotizado pela graciosidade dos movimentos dele. O bailarino não dizia uma palavra, porém sorria e olhava para o pianista com olhos brilhantes e sorridentes. E o pianista estava chocado demais para falar algo também.

De onde aquele garoto havia saído? Ele morava por perto? Gostava de piano?

- Quem é você? - O pianista perguntou, parando de tocar. Quase que imediatamente, o garoto parou de sorrir, fechou os olhos, e parou sua dança, enquanto a fumaça se esvaía aos poucos. Saiu dali rapidamente, antes do pianista sequer dizer algo. Imediatamente, tudo voltou ao normal: os sons da noite voltaram a soar, a chuva a fazer seu leve barulho, o ar ficar novamente com aroma de terra molhada.

Foi em busca do rapaz, mas não conseguiu encontrar nada. Nada além de um único e solitário lírio branco.

Pegou a flor e sentiu seu aroma. Era fresco... Como se tivesse sido posto ali pelo rapaz antes dele sair.

Voltou para a própria casa se sentindo estranho, levando o lírio consigo. Não havia entendido aquele garoto, nem sabia quem ele era. Porém a lembrança daqueles movimentos suaves... E aquele lírio branco ainda vivo junto consigo... Não sabia mais de nada, porém tinha certeza de uma coisa.

Queria ver o bailarino novamente.

The PianistOnde histórias criam vida. Descubra agora