11 - O encontro

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Ricardo acordou se sentindo melhor. A dor, antes latejante, agora tinha sido reduzida a um pequeno incômodo no fundo dos olhos. Ele podia se mover, sem parecer que a cabeça iria se partir em mil pedaços.

A noite tinha caído e a casa estava totalmente escura. Ricardo se dirigiu, devagar, até a sala e acendeu a luz da varanda, olhando distraidamente pela janela. Foi quando viu o menino na velha cadeira de sua mãe, acordando assustado. A mesma cadeira em que a velha ficava horas e horas sentada, olhando para as malditas roseiras.

Abriu a porta e falou:

- Quem é você?

Lucas piscou diversas vezes antes de responder. Por fim, acabou falando:

- Boa noite! Desculpe invadir sua propriedade. Meu nome é Lucas. Estou perdido.

Ricardo percebeu imediatamente que o garoto estava apavorado e faminto. Estava sujo de terra dos pés à cabeça. Havia também uma mancha de sangue que pegava um pedaço da camiseta e da calça jeans, na altura da coxa.

- Você está machucado? – perguntou Ricardo, apontando para a mancha e parecendo desconfiado.

- Não, senhor! – respondeu rapidamente Lucas – Esse sangue não é meu.

- De quem é, então?

- De um homem que tentou me agarrar dentro do carro dele. Ele me deu carona e... – Lucas começou a falar e parou, sem saber como continuar.

- E você machucou ele?

- Isso. – disse o menino, baixando a cabeça.

Ricardo olhou bem para o garoto e soltou uma gargalhada. Lucas não entendeu o que estava acontecendo, mas Ricardo parecia achar aquela história muito engraçada.

- É isso aí, garoto! – disse o dono da casa, ainda rindo – Você é dos meus. Entre para comer alguma coisa.

Lucas se sentiu aliviado e começou a rir também. Ao ouvir o convite para comer, teve vontade de dar um abraço naquele cara estranho. Lucas não pode deixar de reparar que o dono da casa tinha a cara e as roupas amassadas, como se tivesse acabado de acordar de um sono muito agitado, além disso, os olhos pareciam demorar para focar nas coisas. Entrou e imediatamente viu o telefone no canto da sala. Um daqueles velhos aparelhos de disco, que ele nem sabia mais que existiam. Devia ter mais de vinte anos de idade. Precisava ligar urgentemente para sua mãe, mas a barriga estava roncando e ele não queria parecer indelicado com o anfitrião.

- Vou preparar um lanche para a gente, você gosta de queijo e presunto?

- Presunto, sim. Queijo eu não como.

- Meu deus! Que tipo de maluco que não come queijo? – respondeu Ricardo, olhando para ele sério e depois dando nova gargalhada – Pegue uma coca-cola aí na geladeira enquanto eu preparo nosso lanche. Enquanto isso, me conte como foi que veio parar aqui.

Lucas contou tudo, desde que saiu de São Paulo, pouco depois das cinco da manhã, até o momento em que achou o sítio depois de horas de caminhada. Ricardo parecia realmente empolgado com a pequena aventura de Lucas.

- Nunca teria coragem de fugir de casa assim e fazer uma viagem dessas. Você deve ser muito corajoso. – disse o rapaz - Se eu fizesse algo parecido, minha mãe tacaria fogo em mim e apagaria com um pedaço de madeira! – completou, gargalhando novamente. A dor de cabeça havia passado e ele se sentia em um estado de extrema euforia.

Lucas também riu e aproveitou a menção da mãe para pedir para usar o telefone.

- Ah... Que problemão. Estou sem telefone desde ontem à noite. A Vivo já deve estar consertando, mas não sei que horas voltará a funcionar. – respondeu o dono da casa – Que tal fazermos assim? Agora são dezenove horas. Se até umas vinte e duas horas a linha não voltar a funcionar, te levo para a cidade e procuramos algum telefone público para que você possa ligar para casa. Parece bom para você?

- Claro! – respondeu Lucas, ficando ligeiramente preocupado com a reação da mãe. Cada minuto que passasse sem dar notícias, provavelmente significaria algumas semanas a mais de castigo.

- Por que você não toma um banho quente enquanto eu procuro alguma roupa que te sirva? Você deve estar congelando com apenas essa camiseta.

Lucas terminou o lanche e entrou para tomar banho, se sentindo feliz de ter encontrado alguém tão simpático e prestativo. Lembrou de Miltão e pensou que sua sorte tinha voltado. O encontro com aquele pastor nojento seria apenas um apêndice ruim nessa história incrível que ele iria ter para contar, quando voltasse para a escola. Ficou pensando qual seria a reação dos colegas ao saberem que ele enfiou o canivete na coxa de um tarado. Apesar de estar novamente empolgado, não conseguia parar de pensar em Rosana. Sabia que ela devia estar desesperada, a essa hora. Apesar daquele jeito meio histérico e superprotetor, a mãe não merecia passar por um susto desses. Estava torcendo para a linha telefônica voltar a funcionar o mais rápido possível.

Ao sair do banho, Lucas encontrou roupas velhas, mais ou menos do seu tamanho, dobradas na frente da porta do banheiro. Ele se vestiu e encontrou Ricardo na sala, com o Playstation ligado.

- Quer jogar um pouco, enquanto esperamos para ver se a linha volta? Preciso terminar um serviço no meu quarto, mas estarei livre dentro de meia hora, mais ou menos.

- Sim! – respondeu Lucas, feliz. Videogame era uma de suas paixões.

Lucas colocou God of War para rodar e começou a jogar. Logo estava totalmente imerso em sua ação. De vez em quando, ouvia o vento uivando do lado de fora da casa e fazendo uma das persianas bater na parede. O inverno fez a temperatura da noite cair ainda mais, mas ele se sentia aquecido na sala de Ricardo.

Depois de cerca de vinte minutos, o telefone tocou.

Lucas olhou para o aparelho antigo e pensou: "Voltou! Já posso ligar para a minha mãe". Ouviu uma voz atrás de si:

- É isso aí. O telefone está funcionando.

O garoto virou e tomou um susto. Ricardo estava parado a cerca de dois metros dele. Vestia uma capa de chuva amarela que ia quase até o chão. Usava também óculos de proteção, desses usados em trabalhos pesados, máscara e luvas cirúrgicas. Nas mãos, trazia a enorme tesoura de jardinagem e um aparelho pequeno, que parecia um barbeador elétrico.

Lucas ficou imóvel encarando o dono da casa, tentando entender o que estava acontecendo.

- Agora é a minha vez de jogar! – disse Ricardo avançando.

O menino finalmente conseguiu se mexer. Saiu correndo em direção à porta. Ricardo largou a tesoura e agarrou seu braço, tentando impedir que ele chegasse à saída. Lucas pegou um guarda-chuva antigo, com cabo de madeira, que estava encostado na parede, e deu com ele no dono da casa, sem mirar em nenhum lugar específico, conseguindo assim uma vantagem. Abriu a porta e correu para fora, em direção ao portão de madeira. Quando se aproximada do ponto em que estava o carro, olhou para trás, para ver onde estava o agressor, e tropeçou em um pedaço de madeira, cimentado no chão, que servia para demarcar o ponto máximo até onde o Corsa poderia avançar. Sentiu os pés saírem do chão e caiu pesadamente no caminho de terra, batendo a cabeça com força.

Tudo ficou preto por alguns segundos. Quando voltou a enxergar, viu o rosto de Ricardo bem acima do seu, rindo:

- Você é mesmo muito divertido, menininho! Mas agora chega... – e aproximou o aparelho de eletrochoque da barriga do garoto, dando uma descarga imobilizadora nele.

O corpo de Lucas tremeu inteiro e ele ficou sem controle sobre os próprios membros. Sentiu a urina escorrendo pela calça emprestada, enquanto era arrastado de volta para a casa, pelas pernas. O rapaz o levou até um quarto que não tinha quase nenhum móvel e estava todo forrado com plástico. O menino pensava na mãe, quando viu Ricardo voltando, com a grande e velha tesoura de jardineiro nas mãos.

- Essa vai ser a melhor noite das nossas vidas! – disse ele, enquanto fechava a porta do quarto e trancava com uma antiga chave enferrujada.

- Desculpa, Rosana – sussurrou Lucas, fechando os olhos e pensando no abraço quente que sua mãe lhe dava quando chegava em casa, todos os dias.

A Busca  (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora