2 - Esperança

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Rosana entrou no carro e saiu em direção à cidade de Dois Pinheiros. Abriu as janelas das duas portas da frente, pois o ar condicionado do carro estava quebrado. Era 27 de fevereiro, e mesmo às seis horas da manhã, o dia já estava abafado. Desde que Lucas sumira, há cerca de sete meses, a mulher deixara de se preocupar com o carro, a casa e até consigo mesma. A vida simplesmente virara de pernas para o ar.

Primeiro, foram os dias intermináveis de busca. A viagem às pressas para Serrinha, as paradas em todos os postos de beira de estrada para pedir informações, a criação da página no Facebook, as entrevistas para os jornais das pequenas cidades e as várias edições regionais do SP TV, pedindo para que quem tivesse alguma informação, entrasse em contato. Não faltaram contatos. Praticamente todos os dias alguém escrevia ou ligava falando que tinha visto o garoto: um dia, ele estava se drogando junto com outros meninos em uma fazenda de Paraíso Verde; depois, foi visto assaltando uma loja de conveniência com dois adultos em Novo Agreste; mais para frente, o viram em um shopping center comendo um quarteirão com queijo, em Parque do Sul. Neste último, Rosana teve que rir, já que seu filho odiava queijo. Nas primeiras vezes, a mulher pegava o carro e corria para a cidade citada, mas logo começou a perceber que isso era perda de tempo. Aprendeu que era mais fácil ligar para alguma autoridade e pedir para eles averiguarem a denúncia. Os policiais e assistentes sociais do interior acabavam sendo muito mais solícitos do que os que havia conhecido em São Paulo. Provavelmente havia menos problemas em cidades menores. Ou eles simplesmente se importavam mais.

Conforme o tempo passou, as mensagens foram diminuindo, até pararem por completo. Apesar de ela continuar postando nas redes sociais, o desaparecimento se tornou notícia antiga. Rosana começou, então, a contatar associações que cuidavam de crianças de rua, de praticamente todas as cidades existentes no caminho entre São Paulo e Serrinha. Pedindo informações e deixando telefone, caso algum menino parecido com Lucas fosse visto.

No dia anterior, finalmente isso deu resultado.

Era mais ou menos dezessete horas quando recebeu a mensagem vinda de um número desconhecido, com prefixo do interior do estado: "Rosana, por favor entre em contato com o telefone...". Ligou imediatamente e foi atendida por uma assistente social chamada Patrícia, que a informou que um menino mais ou menos da idade de Lucas havia sido "apreendido" pela polícia e encaminhado para o abrigo. Segundo a mulher no telefone, o garoto dizia se chamar Fernando, mas não sabia dizer nem de onde era e nem o nome dos pais, ou sua idade. Na verdade, ele estava meio desorientado e não parecia sequer saber o nome da cidade em que estava. Rosana pediu uma foto do menino, mas a voz disse que isso não seria possível: "Ele sofreu diversos abusos, não posso divulgar uma foto do rosto dele sem autorização do juizado de menores. Caso você queira aguardar...". Seu coração disparou, "diversos abusos"? Não, ela não queria aguardar. Conseguiu convencer a mulher a mandar uma foto do garoto de costas. O cabelo estava raspado, a magreza era extrema, mas algo naquele menino maltratado lembrava, sim, Lucas. Disse à assistente social que iria para lá naquele mesmo instante, porém ela lhe respondeu que não poderia entrar no abrigo durante a noite. Assim, pegou todas as informações necessárias para efetuar a viagem no dia seguinte.

Pensava em tudo isso enquanto dirigia. A cabeça estava a mil por hora. Sabia que não deveria ficar empolgada, já que havia uma grande chance de que o garoto não fosse Lucas. Por outro lado, seu coração não acompanhava o cérebro e batia disparado, cheio de esperança, antecipando o reencontro com o filho. "Diversos abusos", dissera a assistente social. Que espécie de abusos? Físicos, mentais, sexuais? Não importa, depois que o filho estivesse novamente em seus braços, todo o resto ficaria em segundo plano.

O dia esquentava e trouxe à sua lembrança um passeio ao Parque do Ibirapuera, quando Lucas tinha apenas três anos. O filho brincava com o triciclo na calçada, enquanto ela lia A Mão Esquerda da Escuridão, sentada em um banco, de frente para o grande lago. Apesar da leitura, estava sempre de olho no menino, para que ele não fosse para longe. Era um domingo ensolarado, como o dia de hoje, faltavam alguns minutos para as nove horas e o parque ainda não estava cheio. Perto deles, um casal namorava, sentados na grama, uma menina jogava queimada com os pais e dois rapazes treinavam passes com uma bola de basquete. A trama do livro ficava mais e mais interessante, quando ela ouviu meio ao longe: "Pato! Pato!". Levantou os olhos das páginas amareladas e viu apenas o triciclo. Ficou em pé em um pulo e observou, com o coração parecendo parar, Lucas correndo em direção ao lago, com os braços estendidos para pegar os patos que nadavam próximos à margem. Rosana largou o livro e correu, mas um dos rapazes que jogavam basquete foi mais rápido, agarrando o menino a dois passos do perigoso mergulho. Pensou como aqueles poucos segundos haviam sido um dos piores momentos de sua vida, até há sete meses.

Dirigia há mais de uma hora e o sol tornava o calor dentro do carro cada vez mais desagradável, quando o motor começou a falhar.

A Busca  (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora