4 - Roseiras

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Ricardo está parado na frente do jardim de sua mãe. Ele trabalha ali desde que ela morreu, há oito anos. O jardim era a paixão da mulher. Ela passava horas e horas cuidando das roseiras, regando, podando, adubando, replantando. Rosalva falava que todo o trabalho que tinha no jardim era recompensado na primavera, quando as grandes rosas vermelhas, amarelas e brancas surgiam.

Por outro lado, Ricardo cresceu ouvindo a mãe dizer que o filho era como uma terra estéril e que nada do que havia tentado "plantar" nele tinha florido. Péssimo na escola, sem amigos, introspectivo e sem rumo na vida, o rapaz era uma decepção. Quando Rosalva ficou doente, Ricardo cuidou dela, já que não podiam pagar por uma enfermeira e o sítio ficava bem afastado da cidade, mas nem isso fez com que a mãe mudasse sua opinião. Em sua rápida decadência, foram apenas seis meses entre a descoberta do câncer e a morte, Rosalva fizera questão de demonstrar que não importa o que ele fizesse, não seria bom o bastante.

O jardim mudou pouco nos últimos oito anos. Agora, é possível ver duas pequenas elevações de terra no canto, no lado mais próximo à cerca da propriedade. Em cima desses pequenos montes, também existem roseiras, mas elas parecem mais novas e frágeis que as existentes no centro.

Ricardo tenta abrir os olhos para ver as plantas e não consegue. Sua cabeça lateja, como se alguém martelasse no fundo dos olhos. Mesmo com eles fechados, percebe luzes brilhantes se mexendo, tentando deixá-lo louco. A claridade daquele dia frio de inverno o atinge como um soco e os sons dos insetos à sua volta parecem amplificados, ressoando dentro de seus ouvidos, no ritmo das marteladas no cérebro. A tesoura de jardinagem está em suas mãos e, por um instante, ele pensa se não seria melhor enfiá-la nos olhos acabar com aquele barulho insuportável.

A tesoura deve ter uns 30 anos, mais ou menos a sua idade. Sempre que a vê, Ricardo se lembra de quando voltava da escola e encontrava a mãe no jardim, podando seus tesouros. A escola foi um período especialmente difícil. Não conseguia se enturmar e nunca conversava com ninguém. Tudo piorava quando estava perto de Ana Paula, uma menina negra, de lindos cabelos cacheados e corpo desenvolvido, para a idade deles. Bastava um olhar dela para o rapaz gaguejar e começar a tremer. Foi ela que acabou dando para Ricardo o apelido de Tonho da Lua, o personagem de uma novela que passava na época. Até hoje, ao ir para a cidade, ainda era chamado de Tonho por algumas pessoas, que provavelmente achavam que seu nome era Antônio.

Ao pensar no apelido, os sons na cabeça de Ricardo soaram ainda mais altos e ele gritou. Fincou a tesoura no chão e saiu em direção à casa, com os olhos ligeiramente abertos, protegendo-os da claridade com a mão direita. A mão esquerda tremia descontroladamente. Olhou em direção às elevações do jardim e pensou: "Ana Paula teve o que merecia".

Ao entrar, a tremedeira da mão havia passado também para o restante do corpo. Quase não conseguiu chegar ao banheiro antes de vomitar o café da manhã que havia acabado de tomar. Depois disso, Ricardo se arrastou até a cozinha e abriu dois frascos de remédio, um deles guardava suas pílulas para enxaqueca, tomou duas de uma só vez, o outro continha os analgésicos que deveria ter dado para a mãe no estágio terminal de sua doença, tomou um e se arrastou para o sofá.

Antes de desmaiar, ainda disse, com a voz arrastada:

- Eu falei que você ia ter o que merecia, Ana Paula. Não me chama de Tonho da Lua.

A Busca  (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora