7 - A longa névoa e o novo verão

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"Vá devagar para não fundir o motor", a voz repetia no fundo de sua cabeça. Como ir devagar, se no final do caminho poderia estar Lucas? O menino era a única razão de sua existência há tanto tempo, que ela nem sequer se lembrava de algum momento diferente em sua vida. Depois de sofrer seu segundo aborto, Rosana ficou totalmente sem rumo e o nascimento do filho, cerca de dois anos depois, deu novos objetivos à sua vida.

Fazia seis meses que ela tinha perdido a segunda criança, quando Diogo chegou em casa falando que precisavam conversar. Naquele momento, tudo parecia envolto em uma névoa, ela não conseguia trabalhar, não conseguia cuidar da casa ou de si mesma, em alguns dias sequer tirava o pijama ou penteava os cabelos. Tudo parecia ter desmoronado meio ano antes. Mal sabia ela que as coisas poderiam ficar ainda piores.

Desde o aborto, ela se sentia afastada de Diogo, apesar das tentativas desesperadas que ele fazia para ajudá-la. Nada, porém, tirava ela daquele estado de torpor em que havia mergulhado. Sonhava diversas noites com uma mulher dizendo que jamais poderia ter um filho seu e acordava assustada, com o coração disparado. Nas primeiras vezes, o marido tentou abraçá-la e acalmá-la, mas de tanto ela repelir seu toque, logo ele passou a ignorar os pesadelos.

E foi assim que Rosana viu Diogo se afastando e seu casamento acabando, pouco a pouco, sem conseguir fazer nada para reverter a situação. Por isso, quando o marido chegou em casa falando que precisavam conversar, ela até imaginou que algo muito ruim estava a caminho, mas jamais poderia adivinhar o quão ruim seria aquele último diálogo.

- Estou saindo de casa hoje, amanhã procurarei um advogado para darmos entrada em nosso divórcio - falou ele, sem nenhum rodeio.

Rosana ficou alerta, como há muito não acontecia, mas não conseguiu dizer nada. Tudo estava desmoronando à sua volta: as paredes, o chão, ela não tinha onde se apoiar.

- Sei que você não se interessa nem um pouco por qualquer coisa que eu possa dizer ou fazer, mas acho que é minha obrigação te contar a verdade. Estou há dois meses saindo com uma garota que conheci em uma festa e ela está grávida. - falou Diogo, com um ar que parecia ligeiramente provocativo, como se ele esperasse que ela respondesse que realmente não se importava - Pretendo me casar com ela o mais breve possível.

Garota? Festa? Grávida? Casar? Rosana não conseguia entender por que Diogo falaria algo tão absurdo e sem sentido. Tentou responder mas não conseguiu. Tudo o que conseguiu foi emitir um soluço tão forte e sentido, que Diogo finalmente pareceu se assustar. Ela não quis ir na festa de aniversário de sua cunhada e Diogo foi sozinho, muito irritado. Só podia ser isso. Começou a chorar desesperadamente e correu para o quarto, trancando a porta ao entrar. Deitou na cama e chorou durante muito tempo, ouvindo o marido bater na porta, pedindo para que ela abrisse. Acabou dormindo e, quando acordou, por um momento pensou que tudo tinha sido um sonho muito ruim, mas logo se deu conta de que aquilo realmente tinha acontecido. Diogo não estava deitado ao seu lado e nunca mais se deitaria.

Após o rápido divórcio, onde Diogo abriu mão de praticamente tudo o que tinham juntos para que as coisas andassem mais ligeiras, Rosana resolveu que devia se esforçar para voltar a levar uma vida normal. Arranjou emprego na Livraria Cultura da Avenida Paulista e viver cercada de livros e de pessoas diferentes acabou fazendo bem a ela. Saía, de vez em quando, com os colegas de trabalho, ainda que sem manter nenhuma grande amizade. Quando Lucas Villanova, um escritor que vinha fazendo muito sucesso com seus livros de suspense, a convidou para jantar, depois de uma tarde de autógrafos, achou que seria uma boa ideia.

Saíram duas noites seguidas e dormiram no hotel onde ele estava hospedado, na Alameda Santos, a dois quarteirões da loja. Após dois meses, Rosana descobriu que estava grávida novamente. Quando contou para Renata, a única pessoa da livraria que sabia que ela havia transado com Lucas, a garota perguntou qual seria a reação do escritor. Nem havia passado pela cabeça de Rosana contar para ele, que era casado e tinha três filhos, sobre sua gravidez. O menino, sim, com certeza era um menino, seria apenas seu e de mais ninguém.

Quando o filho nasceu, em um dia quente do começo de dezembro, foi como se finalmente Rosana tivesse deixado para trás um longo inverno. A gravidez tinha sido complicadíssima e ela passou quase o tempo todo de repouso. Sua mãe tinha vindo da Bahia para cuidar dela e ficara quatro meses em sua casa. Apesar da falta de privacidade e de toda a amolação, - a mãe não se conformava com o fato de Rosana não falar quem era o pai da criança, - tudo foi um preço pequeno a se pagar, quando finalmente Lucas chegou com a saúde perfeita, apesar de ser pequeno e franzino.

"Vá devagar para não fundir o motor", a voz repetiu. Rosana pingava de suor, sua blusinha, que havia secado enquanto tomava café no posto de gasolina, estava novamente encharcada. O sol, cada vez mais alto no céu, esquentava o asfalto e fazia com que ele parecesse líquido, ao longe. Como será que estaria Lucas? Quais problemas ele teria enfrentado? Nada disso importava. Desde que o menino no abrigo fosse realmente seu filho, todos os males seriam deixados para trás. Ela tinha todo o amor do mundo para dar para seu magricelo e a certeza de que isso bastava.

Uma placa escrita "Dois Pinheiros - 1 Km" apareceu na lateral da rodovia e o coração de Rosana deu um salto. Deu seta e se preparou para sair à direita. Estava chegando ao seu destino.

A Busca  (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora