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Nós dois nos embrenhamos pelas vielas do Expurgo sempre alertas caso novos caçadores surgissem em nosso encalço.

É uma experiência transformadora se aventurar por estes rincões esquecidos pela "civilização". As memórias da Jéssica não continham essa experiência, ela nunca sequer pisou no Expurgo em vida. Eu nunca soube na verdade quem ou o que era eu, mas de uma coisa eu tenho certeza: não importa o que eu era, o que me definia como eu, isso mudou no momento que pisei neste lugar.

Não vou conseguir mais pensar nas coisas apenas sob meu ponto de vista, vou precisar ver tudo sempre com o olhar daqui.

Aqui é a selva, a verdadeira selva onde prevalece não só a lei do mais forte, mas também funciona a seleção natural darwinista. Nem sempre o mais forte sobrevive neste lugar, mas sim quem melhor se adapta a essa miséria.

Caminhos estreitos, úmidos, fétidos. Muitas partes desse trajeto jamais receberam um resquício da luz do sol. Meu olfato neste corpo não é perfeito, mas dá para distinguir o cheiro de fezes misturado com bolor e madeira podre.

O limo se espalha e contamina tudo, como se fosse uma praga que envolvia tudo ao redor.

Este lugar é uma selva composta de barracos amontoados sobre outros barracos, esgoto a céu aberto e sofrimento. Muito sofrimento.

Quem são essas pessoas que aqui vivem e como elas sobrevivem na verdade? Quais as estratégias? Porque não importa para onde eu olhe, não consigo imaginar uma economia, uma forma de se garantir o sustento digno de alguém.

Dá para ver no olhar das pessoas a desesperança, a infelicidade, a morte a vagar por entre eles como um urubu ansioso pela carniça.

De onde vem os recursos que insistem em mantém a vida pulsante aqui?

Eu não faço ideia, mas com certeza Sam sabe. Ele está em casa. Ele é a fera dominante aqui, está em seu habitat. Parece conhecer o lugar com a palma da mão, não importa que estradinha de barro adentramos, ele sabe onde ela vai dar.

Cada nova passada que damos o lugar fica cada vez mais escuro e frio. E isso porque o Sol está a pino hoje, além desse emaranhado sem fim de parcas construções mal-acabadas.

Começamos a apertar o passo já que o embate entre nós e aqueles idiotas que tentaram nos atocaiar se tornou público e notório com uma brevidade de assustar, literalmente neste mundo super conectado qualquer notícia é fogo em palha.

Precisávamos nos afastar o máximo que podíamos, visto que mais de 200 caçadores começaram a se locomover para o local como abutres sobre a carniça.

— Estou te falando Sam, — Isabel falava exaltada, quase gritando, com Sam pelo comunicador. — são mais de 200 a caminho, posso monitorá-los todos daqui se você quiser.

— Negativo, você está exposta Isabel, se não está sendo monitorada em breve será, Filipe tem autonomia para revogar seu anonimato na rede. — Respondeu arfando Sam. — E convenhamos, ele vai fazer isso, afinal você pisou bem no calo dele.

— Já estou fora da delegacia, só o ameacei porque precisava de tempo para me afastar. — Ela respondeu, pelo áudio dava para saber que ela estava andando na rua. — Acho que eu estou pronta, o que eu fiz já não tem mais volta. — Ela gargalhou. — Eu ameacei um detetive, dá para acreditar?

— Você já tinha nocauteado ele antes, não tinha como voltar atrás, mas que foi uma loucura o você fez, — Sam segurou o próprio riso — ah isso foi sim.

— Mais um motivo para sumir do mapa. Ele não vai me deixar em paz se sempre souber onde estou.

— Você tem certeza? — Perguntou preocupado Sam.

Quem me matou? (1º Lugar no 4º ScifiBR)Onde histórias criam vida. Descubra agora