Passageiros

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Em uma de minhas viagens, pude ver tantas histórias bem na minha frente, ou para melhor dizer, nos bancos a frente. Eu vi vidas tão distantes e ao mesmo tempo tão próximas, acho que esse é um fato estranho e engraçado de viver em uma sociedade nos dias de hoje.

Um homem, cuja pele se mostrava sofrida de sol, estava no banco a frente e ao lado do meu. Sua pele me dizia que já teria vivido muitos dias, e quando digo isso é pelo fato de que cada dia foi realmente vivido por aquele homem. Os cabelos eram poucos grisalho, mas me pareceram mais jovens do que a pele dizia, sem contar que o corte me parecia despojado de mais para um homem como aquele, já que os fios de cima eram mais curtos que os fios próximos da nuca. No olhar, eu vi um jovem rapaz, que ainda esperava muito da vida, ansiava por algo. Era um homem com três idades, em um corpo e uma só vida. Antes que o sol matinal que tocava sua pele pudesse me mostrar mais, ele se levantou, pegou uma bolsa feita de tecido, que não combinava nada com a bota de couro, a camisa de manga curta e o jeans gasto que vestia, e desceu em um ponto afastado, as beiras da pista da cidade. Eu não sei mais do que escrevo sobre esse homem, e nunca mais o vi, mas sei que em minutos de prosa com ele teria mil historias.

Uns com tanta história, mas diferente da moça no Banco atrás dele, que vestia roupa social e sapatos de salto, embora preferiu viajar descalça. Ela não me parecia ter boas historias para uma prosa. Me contaria sobre o que se sua pele não mostrava nada. Nada além de trabalhar enfurnada em uma sala, sem sol, sem vento, sem gente e longe de histórias. Me contaria talvez, sobre suas noites nos fins de semanas, com amores frustrados de uma noite, músicas sem letras, mas disso já me canso de ouvir e viver.

Na primeira poltrona havia uma mulher, não sei descrever sua idade já que aparentava ter uma que não correspondia com o comportamento um tanto quanto infantil, que insistia em chamar o motorista de tio, mesmo sem parentesco. Ela poderia ter boas historias, mas nunca saberia se foram realmente vividas ou criadas por sua insanidade aparente. Mas ela tinha pressa, e fala o tempo todo sobre descer, mesmo que não houvesse ponto de parada no local desejado. Eu também não a vi novamente.

Na minha frente se encontrava uma mulher de meia idade, cabelos perfeitamente presos em um coque, óculos escuros, e vestia-se de uma forma que me fizeram pensar que era religiosa e recatada. Vi em sua pele marcas da vida dadas pelo sol, mas também vi que não me daria boas historias, logo que nenhuma delas seria sobre sua vida, mas sim sobre a vizinha da rua de cima, ou sobre uma conhecida que frequentava os mesmos lugares, ou sobre aquele parente da cidade vizinha, mas nunca sobre ela, nunca sendo o personagem principal, e isso não me serve. Sobre a vida dos outros, eles mesmos contam. Além disso, que tipo de pessoa se recusa ver a luz do sol logo cedo? Não se pode confiar em alguém assim.

Enquanto escrevo essa recordação, me lembrei que não sabia da história de uma colega que se sentava ao meu lado, e mesmo que quisesse, hoje já não sei onde anda. A única que vi depois desse dia, foi a moça que vestia social e sem histórias, e tudo continuava do mesmo jeito inclusive o habito de tirar os sapatos de salto para viajar.

Agora só sei sobre a minha própria vida, e escrevo antes que a insanidade tome conta dela. Só sei que escrevo sobre os reflexos que aquelas pessoas e suas peles me mostraram, enquanto almoço sozinha.

O  princípio paranoicoOnde histórias criam vida. Descubra agora