Capítulo 1

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Capítulo 1 — Davi

Quando o telefone tocou durante a noite, ficou claro que depois de alguns anos estava na hora de voltar para casa. Sem pensar, peguei o primeiro voo que consegui de volta para o Brasil. Senti medo de não chegar a tempo, temi pelo pior.

Vó Marta está internada no hospital, minha mãe tentou me tranquilizar dizendo que eu poderia organizar as coisas para depois viajar, porém o seu tom de voz mostrava o quanto estava preocupada. Nada que construí em Nova York é tão importante quanto o amor da minha família.

Vó Marta pode não ter o meu sangue, mas eu a amo como se tivesse, foi com ela que ficava andando pelos corredores do hotel que minha mãe administra, foi dela que recebi carinho de vó, ela que cuidou com muito amor de mim, dos meus irmãos e da Iris.

Iris, como o padrinho diz, "meu raio de sol", só falar o seu nome e o meu peito dói, ela é o principal motivo de eu ter ido embora do Brasil quando completei meus dezoito anos, minha mãe e Marta não queriam aceitar, mas o meu pai me apoiou e acabou convencendo as duas.

O meu pai é o único que sabe o motivo da minha partida, conversei com ele, disse tudo o que eu estava sentindo. Ele me ouviu, me aconselhou a ficar e dizer o que sentia, mas Iris era apenas uma menina de quinze anos, enquanto eu já estava com dezoito anos e com aparência de alguns anos mais velho. Alguns dizem que sou a copia do meu pai, de todos os filhos eu sou o mais parecido. Isso o deixa todo orgulhoso e minha mãe brava, pois para ela todos os filhos se parecem com ela.

Depois de muita conversa, explicando os motivos pelo qual não aguentaria mais ficar perto da Iris, meu pai acabou aceitando e ficando do meu lado. Ele disse que com a minha mãe ele foi obrigado a fazer a mesma coisa, a deixou ir e na hora certa correu atrás e a trouxe para o lugar que nunca deveria ter saído.

Durante anos fiquei pensando nessa possibilidade, agora, com meus 25 anos, não sou mais um menino, Iris também não é mais uma adolescente cheia de descobertas. Agora tem quase 22 anos, sempre vejo fotos suas pelas redes sociais, ela se tornou uma linda mulher.

Morar longe da família que tanto amo durante todos esses anos não foi fácil, mesmo os meus pais sempre indo para Nova York me visitar, não era a mesma coisa. Mãe cogitou a ideia de largar os hotéis nas mãos da madrinha Maria e me acompanhar, mas seria injusto eu aceitar que fizesse isso. Todos tinham uma vida construída aqui no Brasil, até a Vó Marta tinha o Vó Frederico para lhe fazer companhia, eu tinha que trilhar o meu caminho sozinho.

Fui para Nova York para estudar hotelaria, com pouco mais de um ano de curso abrimos o primeiro hotel da Rede Cascata fora do Brasil, ele foi idealizado e administrado por mim, fiz do hotel um pedacinho do Brasil em solo americano, quase 100% dos clientes eram brasileiros, assim como os nossos funcionários.

Ver os olhos da minha mãe, cheios de orgulho com a minha conquista, só me deu forças para continuar a trabalhar e aumentar a nossa rede de hotéis fora do Brasil. Cresci dentro de um hotel, está no meu sangue, segui os passos da minha mãe e sou feliz na minha escolha. Já os meus irmãos acabaram seguindo os passos do nosso pai.

Quando o avião pousa em São Paulo, ainda tenho um longo caminho até chegar em casa. Pego a minha única mochila e saio em direção ao saguão em busca de algum taxi. Prudente, a cidade que nasci e cresci, fica a quase 200 km de distância.

— Davi. — Escuto chamando o meu nome, procuro por algum rosto conhecido e o encontro.

— Pai? — Aproximo-me e abraço o meu velho.

— Meu filho. — Abre os braços e me abraça de volta.

— O que está fazendo aqui, pai?

— Estava de boa em casa e resolvi dar uma volta aqui no aeroporto de São Paulo, para ficar observando os aviões decolando e aterrissando.

— Pai.

— Vim te buscar, Davi. O que mais eu faria nesse aeroporto? Trouxe só essa mochila?

— Só essa — afirmo, ajeitando a mochila em minhas costas. — Como sabia que chegava hoje?

Caminhamos para o estacionamento do aeroporto.

— Sua mãe ligou no hotel e sua secretária avisou, então daquele jeitinho bem doce ela me mandou vir buscar o bebê dela.

— Olha o ciúme, pai.

— É meu Davi para cá, meu Davi para lá, você também é meu filho. — Olha-me. — Também estou feliz que você resolveu voltar para o Brasil, senti sua falta em casa.

— Eu também, é bom estar de volta, mas é por pouco tempo.

— O tempo vai dizer se é por pouco ou muito. — Aponta para o carro estacionado. — Agora vamos para casa.

— Vamos. — Entramos no carro. — E a vó?

— Está internada há dois dias.

— É muito grave? — pergunto aflito, com medo de ouvir sua resposta.

— Quando chegar lá você tira as suas próprias conclusões.

— A vó está morrendo?

— Calma, Davi, nós vamos direto para o hospital, sua mãe está com ela. Lá você vai ver com os seus próprios olhos. Feche os olhos e tente descansar um pouco, daqui duas horas você verá todos.

Faço o que meu pai sugere, o cansaço da viagem me derruba e só acordo quando ele me cutuca, avisando que já chegamos. Salto do carro e caminhamos até o quarto da minha vó. Do corredor, vejo minha mãe ao telefone.

— Mãe! — chamo, ela me olha e vem correndo.

— Davi, meu filho. — Abraça-me e a aperto em meus braços. — Que saudades.

— Não chora, mãe — peço, limpando suas lagrimas. — Também senti saudade da senhora, minha rainha.

— Ah filho, é bom ter você de volta.

— Eu também estou feliz, pena que as circunstâncias não são das melhores. Como está a vó? — pergunto e percebo que minha mãe procura o meu pai com os olhos.

— Está no quarto — responde com receio.

— É grave? — pergunto, para me preparar antes de entrar no quarto e ver a minha vó.

— Já disse. — O meu pai se aproxima e abraça a mãe. — Entre no quarto e tire suas próprias conclusões.

— É a segunda porta. — Ela aponta. — É só entrar.

— Ok.

Sinto que ambos estão me escondendo algo, mas não questiono. Seguro a maçaneta da porta e antes de entrar, os olhos da minha mãe estão sorrindo e o meu pai a aconchegando em seus braços.

Abro a porta, entro e a vejo. Fico sem reação com a cena, o meu coração para por breves segundos.

Puro Amor - conto IIIOnde histórias criam vida. Descubra agora