Capítulo 3

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Capítulo 3 — Iris

Nossas mãos estão unidas, seguradas por nossa vó, e o meu coração bate freneticamente igual uma bateria de escola de samba. Eu não poderia fazer esse juramento. Vê-la em cima de uma cama, frágil, acabou me fazendo agir pela emoção e não pela razão. Mesmo sabendo que a única pessoa a sair ferida dessa historia será eu.

Somente eu sei o que passei, sei o quanto está sendo difícil esse momento, ter a vó em cima da cama e ter Davi tão perto e ao mesmo tempo tão longe. Anos atrás levei o pior baque de toda a minha vida, eu só tinha quinze anos, vi todos os meus sonhos irem ladeira abaixo. Muitos acharam que era apenas um dos chiliques de adolescente mimada, mas somente eu sei a dor que senti. Minha mãe tentava me entender, mas sempre frisava que eu precisava entender que naquele momento foi a escolha certa que ele fez, mas me recuso entender, eu sofri por culpa dele.

Cresci lado a lado com Davi, nunca o vi como um primo, como todos dizia que éramos, ele era o meu guia, o meu protetor, aquele que estava sempre ao meu lado, que cuidava de mim. Na escola, na hora do recreio, preferia ficar comigo ao invés dos seus amigos. Ele sempre foi o meu mundo perfeito. Sempre fui mimada por meus pais, meus avós, tia Cecília e Eros, principalmente pelo Davi, o meu mundo começava e terminava nele. Quando dei por mim, na minha festa de quinze anos, percebi que eu era perdidamente apaixonada por ele.

Eu o amava. Descobri o nome do sentimento que me deixava feliz, eufórica, ao seu lado, e isso me fez querer correr e gritar para todos, mas isso nunca foi possível.

De repente, sem nenhuma explicação, ele se foi, sem ao menos se despedir de mim, sem dizer adeus. Isso porque no dia da minha festa ele me prometeu que nunca iria me abandonar, que estaria sempre do meu lado, iria ajudar a realizar todos os meus sonhos, limpar as minhas lágrimas, me levantar quando caísse, faria parte do meu sorriso. Eu acreditei em tudo. Ele nunca tinha mentido para mim e sempre cumpria todas as suas promessas. Entretanto, pela primeira vez, ele não cumpriu, se foi e com ele levou parte do meu coração, parte da minha alegria. Parte de mim.

Sofri, chorei, corri, fui atrás, liguei, mandei mensagem, tudo em vão, ele nunca me retornou, não se importou com o meu sofrimento. Fiquei doente, mãe e pai não sabiam mais o que fazer comigo.

Até que o tio Eros me chamou para uma conversa. Apenas eu e ele. O que conversamos nunca saiu daquele quarto, mas foi suficiente para eu levantar a cabeça e seguir em frente.

No início foi difícil fazer o meu mundo girar sem ter Davi do meu lado, mas eu aprendi. Fiz tudo que uma adolescente da minha idade tinha que fazer, namorei, beijei por beijar, sai, dancei, conheci gente legal, gente chata. A única coisa que não fiz foi me apaixonar. O meu coração tinha dono.

No final do ensino médio, não sabia que caminho seguir ou qual curso escolher. Sempre dizia que ia seguir os passos da minha mãe e tia. Juntos eu e Davi iríamos fazer o curso de hoteleira, fazer especialização e assumir a Rede de Hotéis.

Sozinha, descobri que esse não era o meu sonho, era o sonho dele, que compartilhou comigo, e vendo a sua empolgação e orgulho por assumir o lugar da tia Cecília me fez querer estar ao seu lado.

Descobri que a minha vocação era o direito, seguir os passos do meu pai e assumir o meu lugar no escritório que passa de geração em geração. Esse era o meu sonho, o que eu desejava fazer, sempre passava mais horas no escritório com o meu pai, do que no hotel com minha mãe. Só ia para o hotel quando ele estava lá, o lugar que eu realmente gostava era no escritório, ajudando do meu jeitinho, atendendo telefone, fazendo pequenos serviços.

Com decisão tomada, prestei vestibular para direito em São Paulo, passei. Estava na hora de dar mais um passo. Sair da casa dos meus pais e ir seguir o meu caminho.

A princesinha do papai e da mamãe iria sair de casa, mesmo o meu pai sendo ciumento e minha mãe superprotetora, apoiaram a minha decisão. Segundo o meu pai, estava no manual que os filhos criam asas e começam a voar cada vez mais alto, indo cada vez mais longe, mas que eles nunca se esquecem qual é o seu verdadeiro lar; que não importa o voo, os filhos sempre voltam para casa.

Voei, alcancei voos altos e distantes, conheci o mundo, aprendi muita coisa, amadureci, mas nunca esqueci qual é o meu verdadeiro lugar, o que realmente importa na minha vida.

Quando mãe ligou avisando que a vó Marta estava internada, sai às pressas de pijama dos ursinhos carinhosos e pantufas de unicórnios nos pés e voltei para casa, sem mala, sem nada, apenas com os meus documentos. Todo o trajeto feito até aqui, vim rezando para que nada de mau acontecesse. Somente quando cheguei aqui me dei conta do que estava vestindo. Mãe trouxe uma muda de roupa e sapatos para que eu pudesse me trocar e não ser confundida com alguma louca que fugiu do hospital psiquiátrico.

Fiquei segurando a mão da vó e jurei que eu só sairia do seu lado quando acordasse. Foi quando a porta se abriu, demorei alguns segundos para processar o que estava acontecendo. Depois de anos ele estava na minha frente. Não estava acreditando. Como tinha prometido a mim mesma, levantei e dei um tapa na cara do cretino, para deixar de ser idiota e nunca mais sair fugindo sem antes sentar e conversar.

Mentira, eu não fui civilizada e disse essas palavras, apenas dei o tapa, mas quando a oportunidade surgir, irei falar tudo o que ficou entalado todos esses anos.

Quando me abraçou, fechei os olhos e puxei o ar para sentir seu cheiro, o meu coração traidor quase saiu pela boca. Em seus braços era o meu lugar, o meu conforto, a minha luz.

Agora, cada um do lado da cama de vó, com nossas mãos unidas, Davi acaba de prometer que não irá me abandonar.

Fiz a mesma promessa, eu voltaria para casa de qualquer forma, aqui é o meu lugar. Esse tempo longe foi importante para o meu amadurecimento, fez de mim a mulher que sou hoje.

Puro Amor - conto IIIOnde histórias criam vida. Descubra agora