Prólogo

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"Estar vivo é sentir saudade."
Tartarugas até lá embaixo

Era uma tarde de verão no orfanato, brincamos de todas as brincadeiras que nos vinham a cabeça. Até o anoitecer, até perder o fôlego.
Cansados, deitamos na grama admirando o céu estrelado que o interior de Nova York nos presenteava.
- Puxa, isso é lindo demais! - David falou com o sorriso de quem sonha um dia tocar as estrelas - Ainda vou ser astronauta!
- Com esse seu medo de altura, acho bem difícil - falei rindo.
- Medos foram feitos para serem superados! - ele falou com voz grossa e séria como se imitasse a nossa governanta que vivia falando frases de efeito como essa. Caímos na gargalhada, dava para perceber que a cada dia ficávamos melhores em imitar a Sra. Estela.
- Nossa, ta bem parecido com o jeito da bruxa mesmo!
O som das nossas risadas foram gradativamente cessando assim que Julie e Grisela se aproximavam.
- Vocês adoram falar as escondidas de nossa mãe! - Julie falou enraivecida.
- Estavamos falamos de bruxa, se vocês se ofendem já não é problema nosso - falei com firmeza. Sabia que David e eu éramos invencíveis, unidos conseguíamos facilmente que as gêmeas saíssem do nosso pé.
- Isso é inveja, porque nem família esses dois têm - Grisela disse com seu jeito esnobe.
- Mas vocês precisam admitir que entre ter uma mãe como a de vocês é bem melhor esta do jeito que eu estou, porque ninguém merece uma mãe feiosa que tem filhas mais feiosas ainda! - David disse fazendo caretas.
Elas começaram a berrar como as meninas mimadas que eram, e em um primeiro momento, não entendemos o porquê de tanto drama, mas logo nos demos conta que a Sra. Estela estava perto o suficiente para ter ouvido o final da conversa.
- Droga - David falou baixinho - Elas vão aproveitar a oportunidades para nos ferrar de vez!

E foi mesmo o que aconteceu, as duas aumentaram - e muito - o que havíamos falado. Era algo típico delas. Minha indignação aumentou na medida em que a nossa governanta acreditava (ou fingia acreditar) na história. Até porque as gêmeas se enrolaram bastante para contar as mentiras... 

No final, ficamos de castigo o fim de semana inteiro! 
Enquanto eu passava as horas lendo, David estava se encontrando com a sua futura família adotiva, e, passado aquele final de semana, descobri que David não faria mais parte da minha vida.
Saber disso me deixou em choque, sabíamos como era difícil conseguir ser adotado com dez anos de idade. David chegou com seis, e eu vivia lá desde sempre, nós praticamente já havíamos perdido a esperança. Eu estava feliz por ele, mas ao mesmo tempo triste, afinal, quem me faria companhia se não fosse aquele magricelo de cabelos negros?
Lembro-me bem do dia em que David chegou. Ele era tímido e vivia chorando. Mas de alguma forma nos tornamos melhores amigos logo na primeira semana, foi natural como o amanhecer. Mas David foi embora tão natural quanto o anoitecer. E eu fiquei na noite, na escuridão de não ter mais meu amigo.
- Vem me visitar, não se esquece de mim - Eu disse com lágrimas nos olhos. Droga, eu tinha prometido a mim mesma que não iria chorar... tarde demais.
- Claro que não, Ella! Tá louca?.- ele falou me abraçando. - Vou vir aqui. Sempre! Tá bem?

Mas ele não veio...
Lembro que quando nos afastamos do abraço, ele entrou no carro, e eu pude ver minha pequena pulseira presa em seu casaco. Fiquei esperando ele aparecer por dias, meses, anos. Esperei o momento em que ele traria minha pulseira e brincaríamos no jardim.
De noite olhava para as estrelas e sonhava com o momento em que David estaria junto comigo olhando para elas.



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