Sacrifício - Lucas

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Intonat olhou com raiva para a Amara, que corria na direção do altar. Atacamos ao mesmo tempo, prendendo sua atenção. Ela só precisava chegar lá. Intonat era o próprio Diabo brandindo sua espada, bloqueando ataques, desviando. Eu e Matthew girávamos em torno dele, procurando um ponto fraco. O vento tentava nos desequilibrar, me obrigando a manter o pé bem firme no chão.

Mais a nossa frente, um paredão de chamas explodiu. Eu sabia que era Amara, mas Matthew se distraiu. A khopesh atravessou seu pescoço, fazendo um barulho grotesco. Gritei, surpreso. Foi uma morte horrível.

Intonat deu um leve sorriso satisfeito e debochado. Senti vontade de vomitar, horrorizado. Os olhos de Matthew se reviraram e Intonat jogou seu corpo no canto, quase partindo a coluna, e se virou para mim. Saí do breve torpou, me sentindo com raiva. Não podia acreditar que, mesmo depois de tudo que fez, senti raiva de Intonat. Matthew era um dos melhores guerreiros, apesar de tudo, e estava sob meu comando, assim como todos os outros.

Antes que ele se virasse para Amara, ataquei-o de novo. Meu corpo suava.  O tom vermelho que a lua emanava exauria meus olhos, minha cabeça explodia. Paramos frente a frente, ofegantes, até que Intonat ergueu sua espada. Estava para erguer defesa, quando ele se envergou para frente, agarrando o tórax, arquejando alto. Dei um passo para trás, confuso. Imaginei se sua casca humana estaria se destruindo e libertando seu verdadeiro ser. Mais um arquejo e ele caiu de joelhos. Quando ergueu a cabeça, com uma feição de puro ódio, seus olhos tinham um anel avermelhado no interior da íris.

  -NÃO! -Gritou, incrédulo. -NÃO PODE SER!

Por um instante, fiquei confuso, mas olhei para o altar e me lembrei da nossa verdadeira missão. Intonat caiu em posição fetal, gritando. Soube que estava morrendo. Corri, o peito martelando, e pulei sobre o altar, olhando para Amara jogada aos meus pés. Metade de seu corpo caía na beirada do altar de pedra, seu tórax vertia sangue que empapava sua roupa, a adaga estava presa em seu peito. Caí de joelhos, puxando-a, em choque. Seus olhos castanhos estavam vazios e vidrados, uma fina cascata de sangue se derramava do canto de seus lábios entreabertos.

  -Não, não, não. -Murmurei, colocando-a em meu colo. -Am, por favor. Não pode ser.

Minha garganta se fechou, meus olhos ardiam. Eu sabia que aquilo iria acontecer haviam meses, mas ali, com ela nos meus braços, não pude acreditar que era real.

  -Amara, por favor. Você não pode me deixar, Am, por favor. Volta pra mim. -Balbuciei.

Eu tinha perdido tudo. Perdi meus pais, perdi meu irmão, e perdi a única garota que amei. Não parecia real. O sangue ainda escorria, seus olhos abertos e vítreos fazia meu peito se contorcer. A dor era horrível. Era como se eu tentasse engolir carvão em brasa. Minha mão tremia ao tirar o cabelo de seu rosto e fechar seus olhos. Minha menina teimosa dos olhos ferozes e temperamento difícil. Minha doce garota dos sorrisos furtivos. Aquela com quem me deparava com um olhar sonolento e perdido pela manhã e trazia meus melhores e mais confusos sentimentos a tona. Ela se foi. Eu a perdi.

Agarrei-a, balançando como alguém que embala uma criança, manchando minha roupa. Queria tirar a adaga de seu peito, mas estava presa nas costelas e eu não tive coragem de puxar. Minha cabeça era uma nuvem densa que me impedia de pensar em qualquer outra coisa. Eu não sabia o que acontecia a minha volta, só conseguia olhar para ela, com a visão borrada pelo choro. Beijei-lhe a testa, sentindo parte de mim se quebrando.

  -Eu te amo, Am. -Acariciei a bochecha ainda quente. -Minha garota, eu sempre vou te amar. Eu prometo.

Ela se sacrificou pelo mundo. Acabou. Mas, um arrepio gélido correu pela minha coluna assim que ouvi uma risada distante. Eu deveria estar louco. Me virei, e encarei, incrédulo, Intonat se erguer, sorrindo, com aqueles olhos demoníacos e venenosos. Ele me encarou, rindo.

  -Parece que seus deuses se enganaram, rapaz. -Abriu os braços, vitorioso. -Agora ninguém mais pode me matar.

Com o peito martelando, olhei para Amara, com uma pequena esperança de que ainda estivesse viva. Mas era impossível. Seu rosto já perdia a cor, sua pele esfriava. Ela estava morta e Intonat continuava ali. Olhei novamente para Amara, confuso.

  -Você se matou. -Sussurrei, tentando compreender. -Se sacrificou. Então, por que....?

A risada de Intonat soou mais alta, como se regozijasse ao máximo da vitória.

  -Quem diria que os deuses gostam de pegadinhas. São uns comediantes.

Um véu de fúria abalou meu corpo. Coloquei Amara gentilmente de volta no altar de pedra. Ela se sacrificou por nada. Olhei para Intonat, apertando tanto o punho da espada que os nós dos meus dedos estavam brancos. Ele olhou para cima, onde a lua quase chegava no ponto mais alto.

  -Eu disse que, quando o eclipse estivesse no ápice, ela estaria morta. -Ele me encarou, divertido. -Agora, só precido arrancar a última adaga das costelas dela.

Pulei do altar, seguindo em sua direção. Meu corpo tremia violentamente, as lágrimas ainda caíam, minha mente nebulosa só tinha um pensamento. Ela morreu por nada, e ele vai pagar. A dor no meu peito era intensa, tudo que eu queria era vê-lo destroçado a minha frente. O ar a minha volta tremulava com o calor que eu emanava, sabia que meus olhos pareciam bolas de fogo. A gládio em minha mão brilhava em azul, como as estrelas mais quentes. Corri em sua direção, cego, e pulei descendo a espada. Quase que sua lâmina não suportou o calor da minha, mesmo assim, ele ria.

  -MALDITO! -Gritei.

Eu o ataquei com tudo que tinha, queimava sua pele sempre que podia, mas ele continuava rindo, com se tivesse enlouquecido.

  -Lute o quanto quiser, garotinho. -Provocou, erguendo defesa. -Não pode me matar. Agora. Sou. Imortal!

Gritei, atacando cegamente. Consegui atingi-lo no braço, nas coxas, no rosto, mas não parecia atrapalha-lo. Defendi o rosto quando sua khopesh veio em minha direção, ficando bem perto. Meus braços tremiam enquanto eu segurava a defesa com todas as forças.

  -Seu povo está morrendo, todos que ama morreram. -Atiçou. -Fique feliz, logo estará com eles.

Forcei a gládio para cima, partindo sua khopesh ao meio, derretendo o aço. Intonat desceu o cabo da espada em meu rosto e chutou com força meu peito, derrubando-me e minhas costas foram de encontro com um bloco de pedra. Arfei, sentindo uma forte dor na coluna.

  -Você é fraco! -Cuspiu e me apontou a espada quebrada e pontuda, ainda vermelha como brasa. -E os fracos não sobreviveram na próxima Era.

Bati a gládio no que restava de sua espada, mas aquilo só o irritou, e ele chutou a arma de minha mão. Era isso, ele me mataria ali e depois destruiria o mundo. Fechei os olhos, pensando em várias coisas, nas pessoas que amei, nos lugares que nunca iria. Eu nem fiz vestibular para a faculdade. De repente, uma voz cortou o vento.

  -INTONAT!

Ergui a cabeça, encarando com os olhos arregalados o altar, onde uma menina de olhos brilhando em roxo e o corpo envolto de chamas púrpuras, nos encarava, feroz, raivosa. Eu realmente deveria estar louco. Am...

Ela bateu no peito, com aquele olhar assustador.

  -SUA BRIGA É COMIGO!
 

As Crônicas dos Daren - Livro V - A Batalha da Última EraOnde histórias criam vida. Descubra agora