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Observei atentamente a cidade lá embaixo. Não era possível ver muita coisa por conta da neblina gelada de algum lugar da Europa do Leste, eu imaginava ser a Rússia. Tentava encarar tudo da janela do avião, que eu com muito esforço consegui ficar perto. Meu novo marido estava sentado do meu lado, com os fones nos ouvidos tão altos que eu escutava o filme Guerra Infinita daqui, alguma continuação de Vingadores. Não tinha muito interesse em filmes de ação, mas eles pareciam ser bem barulhentos e agitados, conseguia perceber sempre que olhava de canto de olho para a tela da mini televisão disposta para os passageiros da classe luxuosa do vôo. Nem mesmo a ideia de ver filmes ainda em cartaz me animava, por mais que eu estivesse estudando para ser um diretor de cinema.

Estava indo em direção à Espanha, mais especificamente a Madrid, para passar a lua-de-mel e dar início ao resto da minha vida miserável de marido de um casamento forçado. E, para piorar, estava recém casado com um homem asqueroso e ignorante, além de extremamente orgulhoso. Ah, como meu pai era ótimo escolhendo noivos.

Pedi para uma aeromoça deixar minha máscara de ar emergencial já solta, para caso eu me irritasse tanto com o homem ao meu lado que nem conseguiria respirar, por conta da minha asma grau três. A mudança de clima já faria mal o suficiente para os meus brônquios sensíveis.

Liguei a minha tela e procurei o YouTube, mas por conta da minha ignorância em tecnologia eu não consegui encontrar. Resolvi chamar uma aeromoça, porém fiquei com medo de gritar, por conta de todos já estarem dormindo. Meu marido me obrigou a não dormir por mais que eu já estivesse exausto para poder me acostumar mais rápido com o fuso horário. No fim, continuei a mexer em todas as funções da tela, acabando por fazendo alguma coisa que o deixou travado.

Parabéns, Junmyeon... Você é tão sortudo.

O homem acabou por perceber que eu havia feito algo e se inclinou sobre mim, pausando seu filme para olhar minha tela.

— O que você está tentando fazer? – Falou, com um tom grosseiro.

— Eu só estava tentando encontrar o YouTube.

— Como você consegue ser tão ruim com tecnologia querendo ser um diretor? Deus... – Prestei atenção em seus movimentos na tela, tentando aprender alguma coisa. Assim que terminou de acessar o aplicativo, voltou a ficar com a postura reta na cadeira.

Eu quase rosnei, raivoso como um cão. Não era um bom estudante em tecnologia, mas me dava muito bem em todas as outras matérias! O que ele tinha a ver com isso? Sua pinta de vice-presidente de uma empresa grande de cosméticos me irritava. Como meu pai conseguia aturá-lo todo dia no trabalho há tantos anos? Pior! Eu teria que lidar com esse grotesco pelo resto da vida.

— Kim Yifan e Kim Junmyeon. – Uma aeromoça chamou, então veio até a nossa direção. A única parte boa desse casamento era terem me deixado continuar com o sobrenome; claro que eu ficaria, a estratégia é que Yifan tivesse o máximo de ligações com meu pai e comigo possíveis. Ela nos trouxe nosso almoço, depois de eu esperar algum tempo.

Nos serviram pato-à-pequim, peedan (alguma espécie de ovo estragado que eu não me ousei a colocar na boca) e alguns molhos chineses. Apenas consegui reconhecer mel. Nos serviram também um prato típico de Madrid, callos a la madrileña, que eu falhei miseravelmente em tentar pronunciar. Yifan, por outro lado, disse o nome perfeitamente. Como era um vôo chinês, nos disponibilizaram hashis, que eu tirei prontamente da embalagem.

—Não. – O homem me parou, pegando os hashis da minha mão e colocando em cima da sua mesa reclinável de apoio do banco da frente. Reclinei a minha também e coloquei o prato sobre ela, tentando pegar os hashis por cima de Yifan. — Coma de garfo.

flor de madrid  [ sulay ]Onde histórias criam vida. Descubra agora