BENJAMIN
Descobertas
Tirei os olhos do livro de física, um pouco fatigado do dia e dos estudos também. Estava focado em entrar na faculdade pública, por isso tinha que ralar muito; toda noite, quando chegava do trabalho, eu dedicava duas ou três horas para tentar realizar aquele sonho. Pagar a graduação estava fora de cogitação e do meu bolso também, principalmente porque eu tinha que ajudar a manter o meu irmão no hospital.
Outro hábito que adotei também foi orar por isso, não para que desse certo, mas para que a vontade de Deus fosse feita. E esperava estar pronto para aceitar, seja ela qual fosse.
Pensando nisso, saí da mesa improvisada, cheia das mais diversas obras de Stephen Hawking e outros autores, para correr pra cama e ler o único livro que nunca me cansava, desde que o conheci.
Quando abri no capítulo onde havia parado, fui interrompido com batidas na minha janela.
Miqueias.
— É pra hoje, mermão! — reclamou, pela minha demora. Fui à contragosto mesmo, pois não me agradava nem um pouco ter meu momento de leitura bíblica pausado.
A janela antiga podia ser aberta com um murro mal dado, mas abri-a e ele pulou.
— Você tem algum trauma com portas?
— Paz seja contigo, varão de guerra! — deu-me uma mãozada bem no meio das minhas costas. Sua linguagem de amor.
— Ai, macho! — me contorci.
— Só pra conferir se seu grito é másculo o suficiente.
Me joguei na cama, antes que ele pensasse nessa possibilidade.
— Adivinha? — meu amigo balançou as sobrancelhas.
— Não sei adivinhar — voltei a abrir a Bíblia, com uma caneta em mãos para anotar todas as dúvidas que tivesse. Depois, as tiraria com o pastor João, que vinha me ajudando muito na caminhada cristã.
— Curti uma foto da Rita — falou, na maior naturalidade, como se aquilo fosse um grande ato de amor. Rita era uma jovem muito dedicada na igreja, talentosa e bem-educada, e todos os rapazes da congregação tinham interesse em ganhar seu coração.
Fiquei esperando ele complementar, mas nada.
— Só?
— Só? — Miqueias deu um peteleco na minha orelha, sentando-se ao meu lado. — O que mais quer que eu faça? O vaqueiro aqui tem uma reputação a zelar. — Meu amigo se orgulhava de seu título, que até virou sua profissão depois que terminamos o ensino médio. Seu pai tinha um sítio que validava toda sua realidade.
Fechei até a Bíblia.
— Então, tu acha que a irmã Rita vai perceber teus sentimentos apenas através de uma curtida?
Ele assentiu.
— "Um pequeno passo para um homem, um salto gigante para a humanidade", já dizia Armstrong.
Dei com a mão na minha própria cara.
— Benjamin, quem é tu pra me criticar? — Miqueias inclinou a cabeça na minha direção, aguardando minha defesa.
Limpei a garganta. Mas aí, percebi que ele tinha razão. Eu nunca havia sequer flertado com uma garota.
— Fica na tua, varão.
— Mas... — sentei-me na cama e olhei ele sério. — Eu sei exatamente como vou fazer quando encontrar uma garota pela qual valha à pena lutar. Vou orar a Deus pedindo direcionamento, se Ele me confirmar, vou diante dela confessar o que sinto e, se ela for recíproca, o próximo passo será pedir sua mão aos seus pais.
— A minha mão?! — Miqueias deu um grito grave, brincalhão. Joguei o travesseiro nele, pois ele podia ter acordado a minha mãe, ou pior, o meu padrasto. — Vai pedir a mão dela no primeiro contato?
— Se ela é a mulher da minha vida, porque eu não faria isso?
Meu amigo se levantou, meio atordoado.
— Depois dessa, fiquei até... — soltou o ar. — Na moral, tô indo pra casa. Vai precisar do computador?
Lembrei do pc dele, que pedi emprestado para estudar durante a semana passada. Peguei-o sobre a mesa de bagunças e entreguei, não achando ruim a ideia de ficar sozinho de novo.
— Deixa eu só pesquisar aqui um negócio rapidinho, porque a internet lá de casa tá uma droga.
— Beleza.
Não demorou muito para que Miqueias começasse a aniquilar a paz daquele quarto. Ele era inimigo do silêncio:
— Cara... — mais um tabefe, daquela vez no meu braço.
— Vou começar a devolver — avisei, vendo minha pele ficar avermelhada.
— Tu tá afim da filha do pastor?
Filha do pastor?
Safira?
Eu devo ter empalidecido. Lembrei-me imediatamente de uns dias atrás, quando a molhei de lama enquanto saía da biblioteca municipal. Fui até lá para usar o computador, mas quando a vi rondando o lugar, tive que sair despercebidamente. Coincidiu que, no momento em que peguei o carro, ela atravessou a pista e... enfim, deu no que deu. Apesar de tudo, aquela tarde não foi tão ruim assim.
— A página do blog dela está aberta aqui — Miqueias deu uma gargalhada alta. Puxei o computador das mãos dele e conferi minha desatenção. Tinha esquecido de fechar a aba na última vez que acessei. — E, não bastasse, tu ainda comenta?
Virei o rosto, enquanto ele se preparava para ler:
— "Rosas são vermelhas, violetas são azuis, você é muito fresca e precisa de Jesus."
— Fecha isso. — pedi, impaciente.
— Fã ou hater? — Miqueias me olhou, pronto a rir.
— Hater, sem dúvida. Só quero que ela se toque e pare de ser tão fútil.
— Ih... tá se importando demais...
Soltei todo o ar dos meus pulmões. Ele percebeu e continuou se divertindo.
— Deixa a guria, cara... — falou, como se aquilo não fosse uma grande piada pra ele.
— Vai aprender a se declarar para a Rita, que é melhor — levantei, apontando pra janela.
Meu amigo se levantou, ainda rindo muito, e foi dando lentos passos até o seu local de saída.
— Tá bom, bebê. Dorme bem. — mandou-me um beijo, antes de dar o fora dali e levar toda a minha sanidade para o restante daquele dia.
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Até que te esperei
EspiritualLITERATURA CRISTÃ | TRILOGIA "ATÉ" Livro 3 "Se eu permanecesse mais um minuto nessa terra sem a certeza de que há esperança de um reino porvir, preferia não existir. Mas glória a Deus, pois há e eu espero por ele." A espera é um processo desafiador...