Capítulo 14

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Durante mais ou menos uns 45 minutos, Rasban não parou um só segundo para descansar e trabalhou num ritmo muito intenso, indo e vindo da cômoda para cama, sempre com as suas mãos cheias de panos limpos e molhados, alguns frascos de vidro, potes de madeira com umas misturas oleosas dentro e outras coisas mais.

Certo de que a menina encontrava-se em boas mãos e que não havia nada que ele pudesse fazer por ela neste momento, o caçador resolveu manter-se afastado para deixar o fantasma trabalhar em paz. Rasban fora um homem muito bom em vida, sempre disposto a ajudar as pessoas e felizmente manteve esse traço da sua personalidade após a morte. Se existe alguém em toda Eldrathor capaz de ajudar a pequena Arryn agora, deixando as desavenças de lado, eu tenho certeza que esse alguém é Rasban, ele pensou enquanto olhava para aquela silhueta azulada do velho, andando de um lado para o outro, fazendo tudo o que estava em seu alcance para salvar mais uma vida.

O cansaço já começava a bater mais forte, cobrando um terrível e penoso preço pela correria desenfreada das últimas horas. O homem andou na direção de uma das poltronas, pousou o pano molhado sobre a mesa e desabotoou vagarosamente a sua capa cinzenta, que depois de tudo que passara durante a noite encontrava-se em frangalhos. Livre do tecido sujo e rasgado que cobria as suas costas, ele abriu a fivela de prata brilhante que prendia seu cinto de couro, com as duas facas de arremesso que ainda restavam na sua cintura e o pendurou, com as espadas embainhadas, no encosto da cadeira.

Finalmente livre do peso das armas que carregava, o caçador puxou a poltrona um pouco de lado, virando-a inteiramente na direção do velho, que cuidava da pobre menina a poucos passos à frente, e se acomodou confortavelmente sobre o seu assento, apoiando os cotovelos nos joelhos. Com as mãos fechadas na altura do queixo, ele travava uma luta ferrenha contra os seus olhos, que insistiam em querer fechar, quando na verdade sua vontade era ficar acordado, pelo menos por tempo suficiente para ter certeza de que todo o seu esforço não foi em vão e que a criança ficaria bem.

Ainda com forças para lutar contra o cansaço, o caçador empinou suas costas e tirou a camisa com muito cuidado. A mistura nojenta de suor, sangue seco e pisado e a gosma viscosa e cheia de veneno dos vormags encontrava-se completamente grudada entre seus ferimentos e sua roupa e dificultava um pouco os seus movimentos.

Com o peito completamente nu, o caçador pegou o pano molhado em cima da mesa e limpou, superficialmente, as suas feridas. Primeiro ele passou suavemente o pano no seu ombro esquerdo, que fora mordido na luta contra um dos malditos vormags e depois limpou a lateral do seu corpo.

A ferida na lateral não estava tão ruim, mas, em compensação, a do ombro estava uma coisa horrível de se ver. A mordida fora profunda, e, ao limpar, o caçador chegou até mesmo a retirar algumas lascas de dentes podres, da nojenta criatura, de dentro da sua própria carne. Ainda assim, esse não havia sido o pior de todos os seus ferimentos.

A parte posterior de sua coxa esquerda estava completamente dilacerada e faltavam pedaços de pele e carne em vários pontos por onde passaram as garras cobertas de veneno, da metade do vormag que ele matou com diversas pisadas na cabeça logo depois que foi ferido.

Com uma ferida daquelas, se ele fosse um homem normal, já estaria morto há muito tempo, porém, ao contrário dos homens normais, o caçador apenas passou, despretensiosamente, o pano molhado pelo rasgo na sua perna, com a certeza de que ela estaria completamente cicatrizada, mais cedo ou mais tarde.

Após ter limpado mal e porcamente as suas feridas, o caçador afundou as costas na poltrona, relaxou confortavelmente o corpo e finalmente fechou os olhos, porém, eles não permaneceram fechados por muito tempo.

O Caçador MisteriosoOnde histórias criam vida. Descubra agora