Prólogo

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Não que Carl fosse convencido, ele só tinha consciência da grandiosidade das próprias conquistas. Não é como se ele saísse por aí distribuindo autógrafos por livre e espontânea vontade, ele saía por aí distribuindo autógrafos porquê as pessoas pediam. Não estava pensando na fama quando encontrou a cura para o câncer, mas não é como se ele fosse negar uma quantidade enorme de pedidos para aparecer na TV.

Veja bem, aquilo não havia sido sorte. Ele não apareceu um dia no laboratório e as respostas vieram, assim fácil, como cachorros animados pra brincar. Carl precisou passar anos estudando, precisou fazer sacrifícios e permanecer lendo seus livros enquanto todos os seus amigos da universidade se divertiam bebendo álcool direto do umbigo de moças loiras. Ele, ao invés de depois de se formar começar a trabalhar em um hospital para tratar pessoas que iriam ser curadas de resfriados e alguns anos depois, eventualmente morrer, preferiu ignorar o conforto que aquele estilo de vida o provia e se focar inteiramente na área de pesquisa. Nunca chegou a se casar, porque falar com mulheres nunca foi o seu forte e ninguém ensina isso na aula de anatomia. 

O custo daquela conquista não foi baixo, ele realmente se esforçou para aquilo se tornar realidade. Investiu cada momento da sua vida na honorável tarefa que consistia em encontrar uma cura para impedir que mais pessoas perdessem as suas vidas para uma doença patética.

Sentado sobre aquele confortável sofá de couro que o abraçava como se aquela fosse a última vez que teria o prazer de ser tocado pela bunda de um humano, o velho Carl segurava lágrimas. Estava encantado pela visão das estrelas, as quais só podiam ser vistas porquê ele estava na sua fazenda, longe das metrópoles que emitiam tanta luz que tornavam impossível enxergar alguma coisa além de um céu avermelhado durante a noite.
Como um bom homem dedicado ao estudo das ciências, Carl nunca foi de acreditar em uma força maior. Não achava que era estupidez, só não fazia sentido o suficiente para ele. Seguindo a sua linha de raciocínio, se existia alguma força maior por quê ela permitia que os homens precisassem fazer as descobertas relevantes, tais quais como a que ele havia feito? Por que a força maior simplesmente não jogava ao vento todas as respostas e deixava aquela raça de desgraçados (com ocasionais pessoas decentes no meio de) viver feliz, sem muitos esforços? Não fazia sentido pra ele, mas ainda assim ele não conseguia segurar os arrepios que percorriam o seu corpo, assim como as lágrimas que começavam a rolar pelas suas bochechas.

Que tipo de sentimento era aquele? Era o cosmos o agradecendo por fazer parte de algo crucial para a sobrevivência da humanidade? Será que, se não fosse por aquela descoberta, a humanidade estaria fadada a perecer com suas múltiplas doenças incuráveis e nem ser capaz de desenvolver-se o suficiente para, em um futuro quem sabe próximo, se gabar do seu grau de desenvolvimento para aliens verdes?

Não, não era isso.

Era só euforia irracional. Os humanos tem essa mania de se sentirem especiais por atingirem metas frívolas. Não que todas as metas da humanidade sejam frívolas, só a maioria. Com 64 anos, Carl vivia em 2018. Levou aproximadamente 20 para, depois disso, bater as botas e pasmem, sua história perdurou por quase 100 anos. Depois disso, ele foi esquecido. Assim como o cara que inventou o xarope, o que produziu Bee Movie ou como a cientista que descobriu que viagens interplanetárias não são tão complicadas assim. Seus nomes ainda podem ser encontrados em enciclopédias, mas não é como se alguém ligasse o suficiente para procurar e fazer uma peça teatral sobre a vida deles. Quanto mais uma sociedade ou raça evolui, mais ela vê as bases do seu crescimento como bobas. Assim como aprender a andar não é grande coisa, ter descoberto o fogo foi só uma consequência da existência. Ninguém liga pra isso. Embora no ano de 2018 a humanidade esteja só no começo do seu envolvimento com coisas realmente importantes como a exploração de outros planetas e coisas do tipo, em determinado momento da história eles acabaram por descobrir que algumas conquistas iam rolar de qualquer modo. Seja Carl ou Bob a ferramenta, a humanidade sempre dá o seu jeito.

Além do mais, qualquer pessoa sensata sabe que os únicos que conseguem ser eternizados são os músicos, os físicos que fazem séries explicando ciência para leigos e, é claro, os assassinos em massa.

No ano de 3018, ninguém sabia (ou se importava com) quem era Carl, o inventor da cura para o câncer, mas eles ainda vestiam camisetas que ilustravam um dos atuais candidatos à presidência de um dos Conti (continente, só que abreviado...) com um bigode de Hitler, enquanto protestavam contra a sua candidatura. Isso diz muito sobre a humanidade, é sabido, mas não há muito que possamos fazer. Os problematizadores foram proibidos durante uma das guerras no passado, mas eles sempre acharam um jeito de renascer das cinzas. Para grande parte da humanidade, a melhor forma de combater o mal é divulgando ele, não fazendo o contrário.

Mas é claro, ninguém liga pra isso. Isso não é uma crítica social foda. É só uma forma de dizer que, eventualmente, todo mundo vai ser esquecido. À menos que você seja o cabeça de um genocídio. Portanto, reflita sobre as suas escolhas. Ter a consciência de que ninguém liga pode ser uma benção, assim como uma maldição.  

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