5 - parte 2

4K 841 130
                                    

Não fui do serviço direto para a prisão, antes, fui para a casa, lamentando um pouco ter que ir de ônibus já que havia devolvido o carro a Christopher. Mas o que é certo, é certo, independente da situação, então parei de lamentar e agradeci por ter deixado tudo preparado. O vestido estava passado sobre a cama, as sandálias já separadas ao pé dela, o brinco que ele havia me dado no primeiro dia dos namorados que passamos juntos, e meu perfume cujo cheiro era seu preferido. Tomei um banho rápido e tive o cuidado de me maquiar direito, deixei o cabelo alaranjado solto como ele gostava. Coloquei o vestido de seda verde, calcei as sandálias, passei o perfume e coloquei os brincos. Eu sentia que esta noite seria diferente. Ele me olharia com amor nos olhos de novo, nos reconectaríamos, afinal de contas, era o meu aniversário.

No meu último aniversário havíamos acabado de receber a notícia de que os meus remédios não estavam fazendo efeito, e os médicos não sabiam mais o que fazer para me ajudar. Poucos meses depois, saí da fila de transplante, pois minha cardiopatia tornou-se terminal e não havia nada mais que pudessem fazer, nem mesmo um transplante me salvaria. Lembrei-me de uma noite, pouco após essa descoberta, em que comentei com André que eu provavelmente não teria um outro aniversário, e ele me prometeu que sim, que eu o teria e o passaríamos juntos. Estava indo até ele, onde quer que estivesse, para cobrar esta promessa.


Os policiais me elogiaram quando cheguei ao presídio, e tão logo André me viu, um sorriso admirado surgiu em seu rosto cansado.

— Você está incrivelmente linda! Qual é a ocasião?

Senti uma dor semelhante a uma pontada no peito e um aperto chato no estômago, mas relevei, afinal de contas ele estava preso. Não devia ser tão fácil lembrar-se do meu aniversário.

— Hoje é o meu aniversário. Há um ano eu disse que não teria mais esta data e você me prometeu... — calei-me e ele continuou segurando minha mão.

— Te prometi que você a teria e que passaríamos juntos. Oh, meu amor, parabéns! Não acredito que me esqueci do seu aniversário.

— Não importa. Só preciso que você me abrace.

Por um momento temi que ele fosse se recusar a fazê-lo, mas ele se levantou e eu o abracei. O apertei em meus braços matando um pouco da saudade que sentia dele. Seus lábios passearam por meu pescoço e alcançaram meus lábios, e retribuí seu beijo com todo meu amor, para que ele entendesse que estávamos vencendo nessa data um desafio tão grande, com certeza venceríamos muitos outros. De alguma forma, acho que por conta do lugar onde estávamos, além da falta de intimidade que tínhamos ali, pelas nossas últimas brigas, aquele beijo foi diferente do que eu havia imaginado. Bem diferente do calor que eu me lembrava de haver em seus lábios. Foi terno, gentil e apenas isso.

Tão rápido quanto começou, acabou. Ele se afastou e sentou-se de novo. E eu fiquei ali analisando meus sentimentos e os rumos dos meus pensamentos. Eu estava errando com ele, porque estava pensando no amor pelos olhos de Christopher, aquele amor arrebatador que eu sempre soube que não existia. Afastei esses pensamentos para o mais longe possível e lembrei-me da intimidade, do respeito, desses sentimentos que sempre estiveram presentes nos beijos do André. Debruçada sobre a mesa, pousei meus lábios no seus novamente, buscando aquela intimidade e ele entendeu do que eu sentia falta. Tocou meu rosto gentilmente e seu gesto, que costumava ser tão normal, mas havia se tornado inexistente desde que fora preso, encheu meu peito de saudade.

— Não temos privacidade aqui, amor, eu sinto tanto a sua falta! — confessou.

— Também sinto a sua, muito mesmo!

— Preciso tocá-la de novo, senti-la de novo. Preciso saber que você é minha.

— Logo vamos resolver isso, logo você vai ser solto e...

Ele me interrompeu apertando minhas mãos. Olhou em meus olhos e me fez um pedido:

— Não dá para esperar. Nós podemos acabar logo com isso, peça a visita íntima. Você só precisa fazer o cadastro e vamos ter toda privacidade...

— Não! — Interrompi. — Não, amor, não precisamos passar por isso. São só mais algumas semanas, no máximo. Já entrei em contato com um advogado, você vai sair daqui e vamos fazer amor na nossa casa.

Ele soltou minhas mãos, os olhos apaixonados já não estavam mais ali.

— Não faz diferença onde faremos, em que cama nos deitaremos, você estará comigo. A Ellen que eu conheci não teria medo.

— Não se trata de medo, eu não vou te fazer uma visita íntima na prisão. Não me sentiria bem, não teríamos privacidade coisa nenhuma e faria sim, toda diferença. Você é inocente, André, não temos que passar por isso. Você vai sair daqui.

— O que o advogado disse? O que você entrou em contato.

— Passei tudo para ele, todos os dados e o seu álibi, ele vai analisar e me retornar esta semana. Mas ele acreditou em mim, acredita que você é inocente. Vai tirá-lo daqui e colocar o verdadeiro assassino da minha irmã onde deveria estar.

— Acho que você deveria ir embora. Não se preocupe em vir me ver todos os dias.

— O quê? Por que está agindo assim? Você prometeu que passaria esta data comigo. Então passe comigo o tempo que nos é permitido passar juntos. Você prometeu!

— Vou passar, quando você deixar de ser tão egoísta e me fizer a visita íntima. Antes disso, não precisa vir aqui.

— Você não pode fazer isso. André, o que está havendo com você? Você nunca me obrigou a nada, a gente não funciona assim. Não vou me sentir bem, será que você não pode entender e esperar? Você vai sair daqui e...

— Tchau, Ellen! — gritou levantando-se. — É você quem não entende as minhas necessidades, é você quem não entende como eu me sinto aqui dentro, justo você, entre todas as pessoas do mundo, é quem não me entende. Passe o resto do seu dia sozinha.

Virou as costas e deixou-me ali sem acreditar no que havia acabado de acontecer. Saí com aquele pensamento doloroso de que eu havia mesmo perdido meu amor, aquele ali não era ele. Fiquei pensando se depois, quando tudo se resolvesse e eu o tirasse dali, poderia esquecer as coisas que ele me disse, a maneira como estava me tratando e amá-lo sem ressentimentos. Comecei ali mesmo a me esforçar para não deixar morrer o que eu sentia por ele, e suspendi mais uma vez meu coração, para que a minha mágoa naquele momento não o atingisse e não o fizesse apagar a lembrança do verdadeiro André.

SACRIFÍCIO - DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora