PARTE 1 - Diário de Christopher Becker

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APENAS ALGUNS CAPÍTULOS PARA DEGUSTAÇÃO.

Presídio de Caxambu – 12 de Junho de 2014

Não sei como contar meu passado de uma maneira que em que eu não pareça o vilão, o que na verdade, eu não sou. Eu me apaixonei duas vezes na vida, e foi por puro azar que essas duas mulheres tiveram alguma ligação com meu irmão mais velho, Richard Becker. Na primeira vez que me apaixonei por alguém, foi Sarah Marins, a conheci quando ainda era um adolescente magrelo e bobo, demorei demais a me aproximar dela e ao piscar os olhos, ela estava com ele. O amor deles me enojava, era pra eu seu o centro do mundo dela, como ela era o meu. Foi aí que comecei a odiá-lo. Não apenas por causa de uma mulher, mas por tudo o que ele tirava de mim. Ele tinha a vida que eu deveria ter, e por algum motivo, eu sempre falhava ao tentar ser como ele. E isso era um requisito obrigatório se queria ter qualquer atenção dos meus pais. Eles me comparavam a ele em tudo, e eu sempre era o errado, o fracassado, o que nunca conseguia alcançar Richard. Quando entendi que eu não tinha que ser como ele, descobri que eu poderia ser melhor. Sarah também percebeu isso, já que não tive muito trabalho para convencê-la a deixá-lo e casar-se comigo.

Nós poderíamos ter sido felizes. Se ela não o tivesse visto tão logo retornamos de nossa lua de mel. Se ele não houvesse sido tão frio com ela, a ponto de ela sentir falta da atenção dele. E tudo desandou, ela o queria de volta e ele nunca a perdoaria, então ela também não me perdoou. Como se a culpa fosse inteiramente minha. Ela não se casou comigo obrigada, foi escolha dela, mas como sempre, eu fui o vilão.

Então veio Gabriella, a guerreira. Uma vida difícil, sozinha no mundo, Richard a viu primeiro, mas era mau com ela, a ponto de ela sempre preferir a mim, minha companhia, minha proteção. E num segundo isso mudou, num segundo seus olhos brilhavam por ele, e ela mal me via como amigo.

Mas estou escrevendo nessas páginas para falar dela, a terceira mulher. Aquela por quem não me apaixonei apenas, eu a amei. Como um soco na boca do estômago, eu apenas recebi um golpe inesperado que me fez vê-la como a razão de tudo. A única com quem fui sincero, pelo menos até agora. A única a quem eu não mediria esforços para fazer feliz. A que me conheceu como seu herói, desnudando-me logo depois, vendo o monstro que eu havia me tornado e pareceu querer-me mais depois disso. Aquela que foi minha uma única vez, e foi o suficiente para o resto da minha vida. Sarah, Gabriella, hoje sei que não foram nada, não foram nada comparadas a ela, à sua pureza e verdade.

Tudo começou quando descobri que Gabriella estava esperando um filho dele. Mesmo após ele tê-la deixado ir embora. Não queria mais olhá-la nos olhos, aqueles olhos tão apaixonados por ele. Deixei-a parada ali, odiando-me por minhas vitórias, e saí. Não sabia para onde ir, não queria ir para lugar nenhum, e ao mesmo tempo queria ir para longe.

Dirigi até sair da cidade, vi o sol sumir, depois sair de novo e eu precisava parar porque estava sem gasolina. Meus olhos vermelhos, estava tão cansado, mas não queria parar. Enchi o tanque e voltei a dirigir, sem perceber, de volta à cidade, para Caxambu, decidi pegar minhas coisas e sumir.

Quando cheguei, a manhã estava nascendo, eu estava passando próximo ao Presídio de Caxambu, mal enxergava a rua à minha frente, meus olhos fechando pelo cansaço. De repente, um baque no carro me assustou e pisei no freio a tempo de ver um corpo bater no vidro do carro e cair ao chão. Desci imediatamente e avistei uma mulher caída na frente do carro. Abaixei-me até ela e tirei o longo cabelo ruivo de seu rosto, havia sangue por toda parte, toquei gentilmente seu rosto, para me certificar que estava viva, e ela abriu os olhos emitindo um pequeno gemido. Porém, foi quando olhou para mim que o mundo à minha volta parou. Ela tinha os olhos mais lindos que eu já havia visto na vida. Meu coração disparou e minha boca ficou seca. Eu já tinha visto essa história, sabia onde isso daria, mas não podia apenas afastar-me. Eu provoquei aquilo, tinha que salvá-la. Ela me olhou por um tempo, seus olhos presos nos meus como que guardando algo, depois fechou os olhos, e me desesperei. Ela havia desmaiado nos meus braços. E eu só conseguia pensar em uma maneira de salvar a vida da mulher que tinha os olhos mais lindos do mundo, olhos de anjo.

Fiquei à espera dela no corredor do hospital, sentindo-me um ser miserável por feri-la daquela maneira. Eu queria poder curá-la, tomar seu lugar e pagar sozinho por meus pecados. Quando o médico me disse que ela estava bem, que os ferimentos eram superficiais e logo ela se recuperaria, senti-me nascer de novo, tamanho alivio senti. Fiquei ao seu lado por horas, observando-a. Desde a maçã do rosto rosada e proeminente, aos lábios delicados e aqueles grandes olhos fechados. Ela murmurou algumas coisas ininteligíveis e me peguei sorrindo de suas caretas durante o sono. Eu já havia pagado a conta do hospital, já sabia que ela estava bem e podia ir embora, mas não conseguia. Por algum motivo estava esperando que ela acordasse, que tentasse me bater por tê-la atropelado e assim eu pudesse ouvir sua voz.

Me diverte recordar que cheguei a pensar que meu fascínio por ela fosse apenas obra da minha mente machucada.

Quando finalmente ela abriu os olhos, já de noite, pude anotar a cor exata deles, verdes com pequenas manchas castanhas. Como um mar calmo. Ela era divertida, simples, doce e triste. Carregava uma tristeza que eu precisava descobrir o motivo. Sabia que ela tinha um problema no coração, isso me foi dito pouco depois de chegarmos ao hospital, o que exigiu o dobro de atenção dos médicos. Mas ela me parecia tão bem! Saudável! Linda! Foi tão gentil, geniosa e sincera. Ah, sua sinceridade. Me pego sorrindo como um bobo ao escrever isso, quantas vezes me surpreendeu e me fez rir por falar sempre o que pensa, sem qualquer filtro, e até mesmo noção, nos momentos mais impróprios. E eu menti para ela.

Fiz jogos para conquistá-la, fingi ser alguém que eu queria ser, mas não era. A vi se envolvendo com esse alguém que inventei, mas nunca o bastante para se entregar. Havia o outro cara, afinal esta é minha cruz. Aquele a quem ela amava, a quem pertencia. E foi no momento em que me revelei, quando disse a ela como era fraco e mentiroso, que ela se entregou a mim. Foi nesse momento que eu percebi que ela sentia algo por mim. E me dói que nunca vá me amar como eu a amo. Se descobrir que eu menti, irá odiar-me por fazer isso poucas horas após jurar não mentir mais. E se não descobrir, e é o que espero, vai me odiar para sempre por ser o monstro que acabou com sua vida, o monstro que há meses ela odeia. Não há saída para nós dois.

Ao menos, me conforta saber que seus últimos meses em vida serão os mais felizes. Que terá tudo o que sempre quis, a paz que procurava, o amor que tanto sentia falta, terá tudo! E saber disso faz valer a pena meu sacrifício.

SACRIFÍCIO - DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora