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—Te observo desde que chegou nessa ilha.—ela se aproxima e coloca a mão esquelética e gelada no meu rosto.—Creio que agora é a hora de te dar explicações.

Sinto meu coração acelerar. Isso tudo é real? Eu realmente estou vendo uma... sereia?

—As duas espécies sempre conviveram juntas.— entendo rapidamente que ela fala sobre nós, humanos e sereias— Nós fornecíamos ajuda para eles no oceano e em troca eles nos forneciam alimentos que só podiam ser encontrados em terra. Era uma relação em que os dois saiam ganhando. Mas a evolução trabalhou e foram criadas crenças e o ser-humano ficou egoísta demais pra pensar em outras espécies.

—Desde então existe a separação. Não nos aproximamos e eles retribuem. Creio que ambos entendem o perigo de uma aproximação.

Fico em silêncio, tentando ouvir cada palavra com atenção.

—Mas minha fiel companheira encontrou uma humana no mar, praticamente morta. Ela viu algo brilhando, como uma faísca, e salvou-a. Ela a acompanhou até ser resgatada e, em um raro momento de distração, foi capturada por pescadores. Remora foi morta e queimada logo depois.— ela fala em tom indiferente, como se não se importasse com o que está falando. Parece que seus sentimentos são tão fortes que não precisam sequer ser transmitidos pelas palavras.—Foi um ato estúpido mas ela tinha um coração gigante. O que importa é que você está aqui. E precisamos despertar o que existe aí dentro que fez minha querida Remora te salvar.

Olho espantada. Tento falar, mas nenhuma palavra é suficiente pra expressar o que sinto. Eu não sei se Nonahir quer me matar ou me ajudar. E eu, sinceramente, não vejo motivo algum para estar aqui. Eu fui a responsável pela morte de uma sereia. De uma criatura complexa com uma família. Tudo que existe na minha cabeça é caos e sequer me identifico em algum lugar.

—Do que adianta se culpar?— ela pergunta como se lesse meus pensamentos— Sol, você tem muito o que aprender. E nessa longa jornada que percorrerá, precisa entender seus sentimentos.

—Jornada?—consigo soltar uma única palavra.

—Na busca do seu próprio ser. —ela se ajeita na pedra e parece ansiar pelo mar— Eu posso ser muito mais sábia que você mas a única que pode te entender é você própria.

—Mas por onde eu devo começar? Eu me sinto tão sozinha, Nonahir. Todos me acolhem tão bem mas parece que tem um vazio enorme aqui dentro. — finalmente consigo falar. De alguma forma seu jeito de falar me confortou.

—Sol. Busque em si mesma. E toda vez que ver meu brilho, siga, independente da distância. — ela agarrou minhas mãos— Preciso ir agora. Lembre-se: não confie em todos que encontrar. Humanos são perigosos e você precisa ter muita cautela.

—Confie em si mesma.—ela sussurra em meu ouvido e, rapidamente, mergulha no mar. Não consigo raciocinar a tempo e percebo que toda a gruta estava escura.

Já está noite? Começo a acreditar que realmente fui hipnotizada. O tempo pareceu voar.

E agora aqui, sozinha, na escuridão completa, começo a duvidar da minha própria capacidade. Como saio daqui?

—Nonahir. Nonahir?— percebo que ela não vai me responder. Esse é um dos desafios que preciso enfrentar.

Mas não posso.

As lágrimas não demoram muito para escorrer e marcam a primeira vez que choro desde que cheguei aqui. Mesmo com tanto caos na minha cabeça, nunca fui capaz de colocar tudo pra fora. Nem com palavras e nem com lágrimas. Mas esse é um momento diferente. Estou sozinha em uma gruta no oceano e a única iluminação é da Lua Cheia que se posiciona lá fora.

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