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Cá estava eu, segurando o choro enquanto a moça do programa social andava pela casa e anotava alguma coisa em um caderno.

Tínhamos vindo para uma casa simples, quase caindo aos pedaços, que era bem atrás da "nossa" casa de verdade. Olhando pela janela do terceiro andar na parte de trás, dava pra ver essa casinha. Brenner deu um discurso para a mulher, de como era difícil criar uma adolescente, e de como  sido demitido do emprego, e agora estava ainda mais com dificuldade para me dar uma vida decente. Ódio infinito daquele cara.

Pelo o que eu entendi, quando se adota uma criança onde ele me adotou, esse tal de programa social ajuda nas necessidades quando a família adotiva precisa. Claro que o Brenner não precisa, mas é um ganancioso de merda.

Ele me ensinou cada palavra que eu deveria dizer, como deveria me comportar, como se realmente fosse um teatro. E ainda ameaçou o Finn, Noah, Gaten, Caleb e Hopper se eu tentasse pedir ajuda. Mas eu precisava fazer algo. Só tinha que pensar rápido no quê.

Depois que ele e a mulher andaram por toda casa, sentaram no sofá maior, enquanto eu estava no menor, com a postura reta e tentando forçar uma cara de contente. Me corroía por dentro a vontade de falar toda a verdade, mas tinha que ser bem pensado. O problema é que meu nevorsismo e desconforto não me deixava pensar.

—Então... Millie, não é? — Ela me perguntou

—Sim — Sorri sem vida. Estava quase soando, e minha perna não conseguia ficar parada. Brenner percebeu e me lançou um olhar mortal

—Então, meu amor. Como é sua vida aqui?

Tem várias palavras que eu poderia usar. Péssima, horrível, tediosa, triste, assustadora, aterrorizante, odiosa, humilhante, bom... Queria escrever uma lista, mas infelizmente eu era obrigada a seguir o roteiro idiota do Brenner.

—Boa. Meu pai e eu somos muito colados, e amorosos um com o outro. Ele faz tudo para me ver feliz, e faz de tudo para conseguir o que eu quero. Mas, não gosto de pedir muito. O dinheiro não é suficiente. Quando todas as contas são pagas, não sobra nada para a comida às vezes.

Após ouvir atentamente tudo que falei, ela escreveu algo no caderno. Estava cada vez mais difícil segurar o choro. Aquela situação era muito ruim.

—Hã... E o dinheiro só tá dando para pagar as contas mesmo, porque até roupas faz muito tempo que eu não compro. Desde que papai foi demitido, as coisas pioraram muito... — Terminei o que fui obrigada a falar

A moça já me olhava com pena. Mal sabe ela toda a verdade. Se não, ai sim, ela teria muita, muita pena mesmo.

—Sr. Brenner, poderia me levar até o quarto da sua filha, por favor? Preciso checar umas coisas.

—Claro. Me acompanhe! — O nojento se fez de cavalheiro e eles foram até meu "quarto"

Fiquei lá tentando pensar em algo útil, até ver encima do sofá, onde a moça estava sentada, o celular dela. Bem ali, dando sopa. Olhei para todos os lados, e sem pensar duas vezes, tentei ser rápida.

Para minha sorte, era sem senha. Como sabia o número do Hopper de có, disquei tentando controlar o desespero, mas ficou quase impossível quando começou a chamar.

Eu não parava de olhar para todo lado. Se alguém me pegasse, eu estava completamente ferrada. Muito, muito ferrada.

—Alô? — Sua voz cansada e desanimada soou do outro lado da linha. Não consegui conter as lágrimas de felicidade

—Hopper, sou eu, a Millie. Não tenho tempo de falar muito, mas manda os policiais rastrearem esse número, vão me achar. Te amo — Nisso, desliguei

Apaguei os rastros daquilo e me sentei onde estava, limpando as lágrimas e respirando fundo para não surtar. Meu peito estava explodindo de esperança. Tinha que dar certo.

—Ok, obrigado pela atenção. Vou indo agora. Mandaremos respostas daqui uns dias... — Percebi que eles voltaram e já iam na direção da porta

—Ótimo. E eu que agradeço...

—Tchau, Millie! — Ela acenou

—Hã, o seu celular — Peguei e levei até ela

—Nossa, obrigada! Eu sou muito distraída, sabe? — Ela sorriu, e eu Forçei um sorriso também

Acenamos novamente e ficamos na porta a vendo se afastar até entrar no carro e ir embora de vez.

—Foi perfeita em seu papel — Rolei os olhos ao ouvir a voz do demônio

—Tenho que agradecer pelo elogio? — Arqueei as sobrancelhas

—Deveria.

—Tá, mas vamos voltar agora? Acabou o teatro, não foi?

—Fala direito comigo, garota. — Ele veio até mim e segurou com forçar em meu rosto

—Tá me machucando!

—Não ligo! — Ele me soltou com brutalidade, e eu quase caí no chão, mas me segurei

Brenner saiu e dois homens entraram para me pegar e me levar também. Para terem certeza de que eu não vou fugir, é claro.

Não vou precisar fugir. Vão vir me salvar, tenho certeza disso.

Finn Wolfhard POV

Na volta pra casa, fiz o que estava fazendo diariamente. Passar na casa do Hopper. Ele precisava de companhia, estava muito triste. Eu também, lógico, então precisávamos dar forças um para o outro.

Mas diferente dos dias anteriores, quando entrei, ele estava agitado. Andando pra lá e pra cá, e discando alguma coisa no telefone.

—O que houve? — Perguntei confuso

—Millie me ligou — Ele foi rápido na resposta

Meu coração parou

—O que?!

—Eu já fui na polícia e mandei rastrearem o número. Tô ligando para ter mais notícias, só que não me atendem! Já faz uns dez minutos que eu liguei pela primeira vez, eles já deviam ter rastreado! Eu quero ir junto, eu...

—Calma, calma! — Tentei ajudá-lo no nevorsismo, mesmo quando nem eu estava calmo — Tem certeza que era ela?

—Sim, claro que sim!

—Meu Deus! — Me sentei

Minha esperança ficou ainda maior. Os garotos precisavam saber disso urgente. Eles estavam com raiva de mim, mas não temos tempo pra isso. Não agora.

E Gaten estava pensando em perdoar Sadie, o que nos fez discutir ainda mais. Não é culpa dele ter o coração tão mole, então eu faço questão de pedir desculpas. Somos melhores amigos, nunca ficamos brigados por muito tempo. Ainda mais agora.

Vão achar ela. Eu tenho certeza. Meu peito já soltava fogos, e a ansiedade aumentava a cada segundo.

Me levantei e corri até minha bicicleta. Eu iria passar na casa de cada um dos meninos para dar a notícia. Eles morreriam de felicidade. Ainda mais Noah.

Eu só queria abraça-la e dizer que nunca mais vou deixar nada acontecer a ela.

All These Years • FillieOnde histórias criam vida. Descubra agora