Voltando do serviço

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Um dia estafante. Uma terrível dor de cabeça. Renan Magalhães, 32 anos, não vê a hora de chegar em seu luxuoso ofurô e aliviar as tensões acumuladas de uma CPI de quatro horas – totalmente desnecessária, para um homem que vende seu tempo. Recostado confortavelmente no banco de trás de sua limusine de luxo, Renan conta os minutos para seu pesadelo acabar. Súbito, uma idéia tentadora lhe passa pela cabeça.

- Joaquim.

Sem resposta.

- Joaquim!

- Sim, sinhô deputado, o que o sinhô deseja? – o motorista finalmente responde, tirando os plugues de seu MP3 da orelha.

- Joaquim, por acaso eu te pago pra ouvir música? – cego de raiva, o homem balbucia alguma coisa, e continua – que dia é hoje, Joaquim?

- terça, seu Magalhães.

- hã... a minha esposa vai estar em casa...?

- Deixa eu ver... não, sinhô, hoje ela saiu de viagem pra Barra Bonita.

- Que interessante – o homem lambe os beiços – Joaquim, sabe aquelas duas gatas que eu contratei na boate no último sábado?

- Claro que sim, seu Magalhães... a loira e a morena, né?

- Isso mesmo... ligue pra boate e chame elas pra noite de hoje. Pode pagar o dobro ou o triplo se precisar.

- Claro, sinhô, pode deixá... – o choffer olha novamente pra agenda colada com fita adesiva ao lado do volante – só lembrando o sinhô que amanhã é dia de pagá as féria do mês...

- Joaquim.

- Sim, seu Magalhães?

- Por acaso, eu tenho cara de quem transa com as secretárias?

- O quê... o quê o sinhô tá querendo...

- Cê lembra o que aconteceu na última vez que cê enfiou o nariz onde não devia?

O motorista nada disse, mas seus ombros encolheram.

- ...muito bem. Agora, dirige essa merda até a garagem.

Chegando à mansão, o motorista estaciona rente ao portão, e um ambicioso deputado abre a porta, bem distinto do homem enjoado que entrara. De mais ou menos cinco metros de altura, a mansão da família Magalhães era toda alicerçada em mármore italiano, e pintada de branco por um famoso artista alemão. As vidraças reluzentes brilhavam quase tanto quanto os painéis solares sobre o telhado requintado.

Dando meia-volta, Renan recostou na janela do banco do passageiro.

- Joaquim, leva a banheira pros fundos, e não esquece de ir pegar as garotas depois das oito. Ah, e mais uma coisa – ele se inclinou, olhando desafiadoramente – é melhor que você não risque mais essa belezinha, tá ouvindo, ou vai ter seu salário descontado outra vez. Entendido?

- ...sim, sinhõ. Não vai acontecer nada com ela.

- É bom mesmo.

Andando em direção à porta de cedro, Renan ouve a limosine partir até dobrar a esquina. Girando a chave, ele entra, limpando os sapatos no tapete de veludo. Já não sentia mais o cansaço de inda pouco.

- Berenice!

O homem estranhou o silêncio da empregada, ainda mais em seu horário de saída, no qual sempre cantarolava um samba com o qual o deputado nunca simpatizara.

- Berenice, cadê você? São quase seis horas!

Silêncio novamente.

Subindo a escada em espiral até o segundo andar, seus olhos voltaram-se, de vislumbre, para a cozinha, e encheram-se de raiva.

A Mão ( versão de degustação)Where stories live. Discover now