Anoitecer na Candelária

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Rio de Janeiro. Noite.

A cidade que não dorme corre costumeiramente – os famosos e abastados nos bairros caros aproveitam a noite em baladas e eventos prestigiados com grandes holofotes e a atenção da imprensa; executivos fazem seu copper pela orla de Copacabana; prostitutas oferecem-se à gringos recém-chegados, quase lado-a-lado com pobres mendigos que só tem a calçada pra chamar de lar. Alheio a tudo isso, as favelas alargam-se na periferia, enfileirando-se nos morros e encostas – uma paisagem completamente destoante dos truculentos edifícios à beira-mar.

Apesar dos constantes esforços da polícia e das forças especiais, a pacificação dos morros ainda dominados pelas quadrilhas tem se mostrado difícil e de ritmo muito lento para o que a situação exige. Dentre muitos pontos críticos, está a Candelária. Aqui, a paz ainda está longe da realidade.

O barraco no topo da colina, considerado coração do tráfico na área, é evitado por todos.

- E aí, mano, cumé que tá as vizinhança? – pergunta um dos "olheiros" na varanda.

- Tudo sussa, mermão – o sujeito joga mais uma bituca de cigarro três andares abaixo – nós temo dez home protegeno a entrada e mais uns vinte espalhado por aí.

- Pode crê. Ouvi falá que o bocão fez uns trato com as milícia... Sacumé, né mano... os home tamém gosta de curti uns barato.

- Heh. Bando de nóia – levando a mão ao bolso, acende mais um, exalando a fumaça com gosto. Seu companheiro volta sala adentro.

- Ei, chefia, póficá sussegado que num tem nem ave no céu.

Alheio ao recado, o dono da boca jazia recostado no sofá, pensativo – dois homens armados com fuzil guardavam suas costas – só por garantia.

- Ei, tu ouviu o que eu disse, Bocão?

- Claro que ouvi, sua anta. E não, num tem como eu ficá sossegado, nem se a SWAT dos gringo tivesse lá embaixo.

- Por quê, chefe? O que que tá rolando? – o homem ficou curioso.

- Zeca, cê lembra do cobra, o nosso velho parceiro na Rocinha?

- Lembro sim, chefe.

- Semana passada memo eu tava trocando umas ideia com ele, mas depois da quarta num tive mais notícia do cara. Preso ele num foi. Nem morto, senão nóis ficava sabendo. Sumiro com o cara.

- Mas então...

- Tem alguém por aí, eu sei. Não é do BOPE, nem tira. É alguém que chega e num tem medo de dexá corpo espalhado pro chão. É alguém foda.

- Ah, relaxa, chefe, tem um monte de nego aí fora... fica frio, que os muleque vai podê enrolá baseado à vontade. - no andar de baixo, em um quarto com as janelas fechadas com tábuas de madeira, ficava o centro da produção de drogas - crack, cocaína, maconha – um comércio que parecia não ter fim. Só isso já justificava o grande contingente de capangas armados patrulhando a área.

Mas, não importa quantos fossem, todos olhavam para o lado ERRADO.

Morro acima, uma mata de pequenos arbustos sacudia-se delicadamente, indicando alguém movimentando-se sob a folhagem. Com um salto, a figura entrou no beco mais próximo, repleto de varais e cãs sujas de lama. A caçada começara.

Despreocupadamente, um skinhead foragido tomava uma vodka, encostado na quina do muro – como um cadeado, um braço volumoso envolveu seu pescoço, puxando-o de encontro às sombras – não houve tempo para gritar.

A Mão ( versão de degustação)Where stories live. Discover now