O cruzado do sertão

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Deserto. Caatinga.

Em uma imensidão amarelada, isso é tudo que mesmo os olhos mais aguçados podem ver. O Brasil costuma se esquecer dos distantes povoados que salpicam entre um ponto e outro do chão castigado pela seca – gente humilde, pobre, condenada a uma vida de desassossego constante, sempre correndo à procura de uma terra mais molhada – visão tão difícil de idealizar em suas mentes, esquecidas pelo sistema de ensino, que se a vissem provavelmente não a reconheceriam – pelo menos, não até matutarem bastante sobre o milagre diante dos olhos.

Sim, o país se esquece dos vilarejos sem praias, resorts e pontos turísticos – que soam mais como um gasto desnecessário do que outra coisa – um risco de perder a rica quantia que deságua corriqueira em seus bolsos. Por isso, pode-se dizer que a vida aqui parou – resistiu – e ainda resiste bravamente ao monstro da globalização – deixadas à própria sorte, não é exagero dizer que estas vilas vivem como no velho oeste americano – jagunços no lugar dos cowboys, delegados no lugar de xerifes – mas sem nenhum rio Colorado ou Mississipi por perto – apenas, e com muita sorte, uma cheia do velho Chico.

Aqui em Juazeiro de São Marcos o negócio não é muito diferente.

As casas paupérrimas estendem-se à beira do caminho – bois, homens, e rebanhos dos mais diversos são uma visão típica – graças às chuvas de vez em quando, a vila tem crescido em tamanho e largura – sem emprego que não seja a criação de gado ou a jagunçagem que resiste ao tempo, o dinheiro costuma guardar distancia. Apenas recentemente, graças à igreja, e ao novo padre – as finanças tem melhorado, junto com a comida e abastecimento de água – uma evolução – a passos tímidos.

Hoje é mais um dia normal.

O povo anda como sempre andou em sua rotina semanal – e a igreja, que caiu em suas simpatias, agora recebe na mesma moeda sua caridade – sem pestanejar, o povo doou seu suado salário para ajudar na reforma da matriz de São Marcos. Até confessionário a igreja ganhou.

- Meu filho, será que lhe estou ouvindo por direito?

Seria mais um dia normal, não fosse pelo estranho a pedir perdão.

- Padre, vossa senhoria pode se assegurar que eu nunca lhe daria por falso – sua voz era firme e decidida, mas guardava um eco de simplicidade.

- Pelo meu santo Padim Ciço...! Em nome de Jesus, esta é a vida que o senhor me diz viver?

- Padre, tente entender-me, se houvesse outro jeito, outra maneira... mas não há – completou, friamente – tudo que a mim me resta fazer é lhe pedir perdão.

- Não, meu bom homem, não é a mim que cabe lhe perdoar, mas a Nosso Senhor Jesus Cristo, que do céu nos olha com sua misericórdia!

- Padre, aqui nesta terra o senhor é a voz de Cristo – o homem, vestido tal qual um jagunço, mas carregava estranhos apetrechos. Parecia ter por volta de uns trinta anos.

- ...então tudo bem, meu filho. Eu lhe perdoo, pois quem haverei de ser para lhe julgar? Rogo a Deus para que ele dê-lhe por depressa um juízo que preste!

Finalizando, o padre fez o sinal-da-cruz, e o homem agradeceu. No entanto, não teve chance de se levantar.

- Diacho, meus cabra, que hoje é dia meu de sorte...!

Entrando de supetão, um grupo de jagunços arrombou a porta e avançou – como se tomados por algum mau espírito, chegaram derrubando tudo o que viam pela frente – imagens de santos se estilhaçavam, bancos se quebravam a golpes de picaretas, e vasos eram violentamente jogados ao madeiro do chão. Não houve alma que não se exaltou.

A Mão ( versão de degustação)Where stories live. Discover now