Colhendo os frutos

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Brasília, Distrito Federal, perto das duas da tarde.

Distante, tanto física como materialmente das casas mais pobres da cidade-sede do governo brasileiro, estão as mansões, casarões e chalés dos ricos empresários, políticos e personalidades da mídia e do esporte – há um imenso e negro abismo entre os humildes que ganham pelo suor e os bem-aventurados que ganham sem sequer mover um mindinho. Eles praticamente vivem em outro mundo – e talvez acreditem mesmo nisso – com sua vida opulenta, cara, luxuosa, em que dinheiro é gasto a esmo – que importância tem um milhão ou dois quando cinco lhe são depositados na conta todo dia?

Entre os ricos e orgulhosos filhos da nata da sociedade, um dos mais invejados é Felipe Moreira Schmidt, dono de um verdadeiro império de empresas – concessionárias, montadoras, produtos alimentícios – o céu é o limite quando o dinheiro flui como uma nascente. Morando tal qual um imperador romano em uma mansão deslumbrante, Felipe, como todo homem que deseja ganhar dinheiro à custa de dinheiro, costuma pular a cerca da constituição tupiniquim.

- E então, Alcides? O caixa está em ordem? – pergunta, o celular colado à pele.

- Tudo certo, Felipe. As contas foram hoje mesmo abastecidas com o montante.

- Hmmm... muito bem, meu amigo. Tem certeza de que nenhum repórter idiota vai meter o bedelho onde não deve?

- Absoluta, senhor – responde, convicto – a conta está disfarçada como um simples fundo de garantia... Ninguém vai suspeitar de um investimento no sistema de previdência social.

- Alcides... tem mesmo certeza de que não tem como alguém chegar a meu nome?

- Felipe, meu velho... sempre desconfiado. Na verdade, a conta está no nome de um famoso cirurgião de Belo Horizonte – a conta dele é tão furada que poderíamos fazer isso por anos a fio... hehe!

- Cirurgião...? Hahahaha! Alcides, você e seu pessoal realmente sabem como mexer em dinheiro!

- Ah, se sabemos, senhor... Bem, de acordo com meus cálculos, o dinheiro deve chegar à sua conta dentro de quinze minutos.

- Excelente – passa a mão na mesa do escritório, à cata de um charuto havano –enfim, vou fugir desse pardieiro de imprestáveis e passar uma temporada em Ibiza... ah... mal posso esperar...

- Você vai levar sua família também, Felipe? – pergunta, um tanto intrometido, o interlocutor.

- Quê? Ah, não, meu velho... essa vai ser uma daquelas "viagens de negócio", entende? Ibiza está cheia de acompanhantes de primeira essa época do ano...

- Ah, Felipe... sempre aproveitando a vida, hein? Bem, tenho que desligar agora, meu caro – a patroa vai chegar daqui a pouco e eu prometi uma noitada daquelas pra danada. Boa sorte, amigo!

- Você também, Alcides. Se cuide – um bipe anuncia o fim da ligação.

- Uma noite daquelas, hein.... na certa, um ménage ou algo do tipo – a zombaria parecia ainda mais deliciosa alvejada pelas costas.

- Senhor Moreira? O senhor está aí? – grita uma voz no interfone.

- Mas é claro que estou aqui, seu imbecil! Onde mais estaria? – diz, esbanjando a sovinice que só demonstrava a seus empregados – Diga logo, Almeida, do que se trata?

- ...é o seu filho, senhor. Ele veio no conversível pra te fazer uma visita.

- ...diga a ele que estou em reunião e que conversaremos outra hora.

- Senhor...

- O que foi, Almeida? – diz, perdendo a paciência.

- ...ele já subiu, senhor – eu não tive escolha...

A Mão ( versão de degustação)Where stories live. Discover now