Capítulo 1

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O vento do inverno sopra frio e gelado, impaciente, não se importa com as pessoas. Mas, toda a frieza é  aquecida pela sua presença invisível e envolvente ao mesmo tempo . Foi o que pensei ao ver aquela menina, pequena e magra. Olhos amendoados e cabelos lisos pretos, na altura do queixo. Ela estava tão quieta, que parecia se camuflar ao ambiente, como uma estátua ou qualquer objeto inanimado. Não sei o que foi, seu jeito ou sua aparência, mas aquela menina havia roubado totalmente minha atenção e, por alguns minutos, meus olhos se esqueceram de que haviam outras coisas no mundo.

" Lírio" O nome combinava perfeitamente com ela. Andei em sua direção, pensando no que dizer. Seria estranho se lhe dissesse que eu a achei bonita? Eu provavelmente seria zoado por isso! Foi o que me fez parar. Eu não tinha amizades fortes, mas convivia bem com meus colegas e, me aproximar dela destruiria essa harmonia.

" Desculpe."

Ela respirou fundo e foi embora, fazendo com que eu ficasse sozinho. Pisquei triste e olhei para o chão.

" Sou um idiota mesmo!"

Quando olhei em volta, havia sangue ao redor dos meus pés.

_ Porque você não fez nada?!

Ouvi a voz de uma garota, era um grito choroso.

_ Você me viu, poderia ter me salvado!


_Johan! acorda Johan!_ Escuto minha irmã chamando.
_O que você quer, Safira!_ Levanto de supetão, ainda sentindo o coração bater acelerado.
_ Eu tô indo pra uma festa, quer vir junto?_ Ela perguntou sorridente.  Estava com tanta maquiagem, que se eu não a conhecesse, diria que ela tinha uns 20 anos ou mais.
_ Não obrigado._ Virei o rosto e me cobri com o edredom.
_ Vai ficar aí no seu covil antissocial mesmo ?

Seu rosto tinha uma expressão de desgosto, com certeza ela estava me julgando mentalmente. O que eu podia fazer, se ela considerava barulho estridente e pessoas se gritando, uma forma de diversão?
_ Você quer dizer quarto e sim eu vou ficar aqui. _
_  Seu estranho!
Minha irmã saiu do quarto, deixando a porta aberta. A muito contragosto, me levantei e a bati com força, para que ela ouvisse o barulho.

_ Fechar a porta, não vai fazer sua mão cair, sabia?

 _ Quem disse que eu me importo?

Ouço do outro lado da porta.

Reviro os olhos e volto para a cama, atirando-me no colchão macio e quentinho, meu habitat natural! Fechei os olhos, mas o sono não veio. Não conseguia parar de pensar na garota do sonho. Eu só  a vi uma vez, na escola, quando tinha uns 10 anos , seu nome era Lírio e ela nunca saía de sua sala. Quando procurei por ela em sua turma, a professora me chamou em um canto.

_ A Lírio faleceu._ Disse._ Ela se machucou muito e isso aconteceu.

Durante o recreio, porém, a notícia foi diferente.

_ A esquisita se matou!_ Dizia uma de suas colegas._ Ela pegou uma faca e cortou os pulsos, bem fundo assim ó!_ A garota simulou o movimento, usando a unha.

Aquilo foi um choque para mim.

" Ela se matou?"

" Mas, porque alguém iria querer fazer isso?"

" Achei que só pessoas malvadas ou doenças matassem as pessoas."

Naquela época, eu era novo demais para entender o que havia acontecido a ela. Mas, hoje eu sei, que Líria estava sofrendo e se sentia sozinha, por isso fez o que fez.

" Talvez, se eu tivesse falado com ela aquele dia, isso não tivesse acontecido."

Meu celular vibra, me despertando de meus pensamentos. Uma mensagem havia chegado.

"Johan , esqueci minhas chaves, pode trazer pra mim? Te encontro em frente a  sua escola."

"Safira"

_Avoada como sempre, não sei como não esquece a cabeça._ Resmungo enquanto pego as chaves e saio do quarto, contrariado.
Durante o caminho, como sempre  tentei passar despercebido pelas pessoas, evitando falar com qualquer um que fosse, até alguém passar por mim e esbarrar em meu ombro.
_ A Lírio não se suicidou!"
A frase ecoou por toda a rua e me fez congelar no lugar. Olhei em volta, tentando encontrar quem tinha dito aquilo, sem sucesso. Eu estava só ouvindo coisas? Ou era real mesmo.

_ Devo estar pensando demais nisso._ Continuo meu caminho, Safira com certeza me mataria se eu a deixasse esperando.
" Porque eu não esqueci essa menina?" 

" Ninguém mais lembra disso, todo mundo seguiu a vida!"

Chego ao portão da escola, era estranho ver aquele lugar vazio e a noite, mas também consolador saber que eu não estaria preso, como um animal enjaulado dentro dela.

_ Até que enfim! Ficou tanto tempo dentro daquele quarto que esqueceu como se anda? Que demora!_ Grita minha irmã impaciente, que já estava com os braços cruzados e batendo o pé.
_ De nada por eu ter trazido as chaves._ Digo, lhe entregando as chaves.
Com entregando, quero dizer que eu as joguei com força para que ela pegasse.
_ Obrigada por ter trazido as chaves! Satisfeito?_ Ela me lança um olhar de  ódio.
_ Muito._ Dou um sorrisinho cínico, giro os calcanhares, pronto para ir embora.
_ Ei ,tem certeza de que não quer vir ?_ Dou meia volta e olho para minha irmã, com sua blusa verde chamativa, ela parecia de certa forma triste por eu deixá-la sozinha. Talvez eu devesse socializar um pouco, como um adolescente normal.
_ Tenho, tchau Safira._ Aceno e vou embora. Eu definitivamente não servia para aquele tipo de evento.
No caminho para casa, recebo mais uma mensagem mensagem.
_O que a Safira quer agora?_
Digo ao pegar meu telefone, um número estranho, que eu nunca tinha visto antes.
_ Numero desconhecido, deve ser a operadora de novo._ Resmungo enquanto seleciono a mensagem, que diz:

"Johan , sei que você sempre suspeitou do suicídio da Lírio e como eu disse, quando nos encontramos na rua , ela não se matou , me procure segunda na escola , na hora do recreio.

Davi."

_ Quem raios é Davi?_ Penso em voz alta, estavam acontecendo muitas coisas estranhas de uma só vez.

" Amigo, eu não tenho dinheiro não adianta me passar trote e se disser que sequestrou minha irmã, pode ficar com ela."

Respondo para o numero anônimo, rio do que fiz, mas depois fico com medo.

" Se a Safira não voltar para casa, minha mãe me mata!"
Ao chegar em casa, eu investigo cômodo por cômodo, não havia nada de estranho. Ligo para minha irmã também, por precaução. 
_ Tchau Johan, não enche!

Ela diz em meio a música alta.

" É, ela estava bem!"

Entro em meu quarto, me jogo na cama , mesmo que ainda fossem 20 horas. Não quis comer e nem ver nada na internet. Também deixei o dever de casa por fazer.

" Deve ser mesmo uma brincadeira." 

O dia em que eu te vi pela primeira vezOnde histórias criam vida. Descubra agora