Capítulo 8

38 5 0
                                    


Depois de uma noite maldormida, precisei dos recursos da maquiagem para disfarçar as olheiras, me peguei várias vezes olhando para as crianças e lembrando-me de uma época em que tirar notas boas na escola era o maior dos meus problemas.

Meu marido saiu antes do horário habitual, após receber uma ligação que o deixou apreensivo e inquieto. O egoísmo ofuscou o bom senso, a ponto de eu ignorar o bem-estar do pai dos meus filhos.

Fui ao trabalho com a angústia serpenteando mais um dia que, antes do Gustavo, seria rotina. Sempre fui uma pessoa confiante e prática, mas aquela situação me colocava à prova de todas as maneiras. O medo de ele não aparecer no almoço como havíamos marcado controlava a forma robótica como desenvolvi o serviço naquela manhã. E, infelizmente, meus instintos me avisaram do perigo, esperei por uma hora no "nosso" restaurante, até me dar conta de que ele não viria.

A desolação me acompanhou na volta ao escritório. Ligar para ele, me explicar, ouvir a sua voz tornou-se indispensável. Contudo, a resposta fria e calculada dele, "não posso falar agora, estou trabalhando", cimentaram o peso da mágoa em meu coração. Questionei-me se havia errado em algum ponto para ser tratada daquela maneira, porém, a conclusão me parecia óbvia, eu não tive culpa no ocorrido. Qual seria a sugestão de Gustavo para evitar aquela tragédia? Talvez ser direta com o meu marido: "não vou comemorar o nosso aniversário porque não quero mais estar casada com você!" Muito insensível da parte dele desejar que eu agisse assim. Afinal, ele havia entendido o meu pedido para irmos mais devagar. Mesmo assim, a humilhação por ser tratada com tamanha falta de carinho deixou algumas feridas no coração e resolvi, com muita tristeza na decisão, não o procurar por um tempo. Quem sabe, depois que ambos encontrassem o caminho correto dentro da calmaria, não chegássemos a uma conclusão.

Os dias passaram rápido e quando me dei conta, estávamos no final de semana outra vez. Ao contrário da ausência do Gustavo, meu marido apareceu para duas visitas na hora do almoço. Confesso a preocupação que tinha de um dia me deparar com os dois homens da minha vida, chegando no mesmo horário e local. Contudo, não passou de um intercâmbio inexistente, uma vez que o marido passara a telefonar antes de aparecer. Um gesto que me levou a uma questão maior e um tanto paranoica, será que desconfiava de algo? Lembrei-me de que afastei essas dúvidas para algum canto escondido da mente, concluí que se tratava somente de um delírio causado pela culpa.

Naquele sábado, meu marido havia aceitado o convite para um churrasco na casa do irmão dele e enxerguei uma ínfima possibilidade, pelo menos enquanto estivesse cercada pela família, de apaziguar a mente. Entretanto, a sensação de impotência me oprimia ao ponto de permanecer incapaz de participar das conversas. Como consequência, a irritação com tudo e com todos surgiu com força, determinada a estragar o dia. O marido, atento ao meu humor azedo, perguntou o que estava acontecendo. Sabe qual a minha resposta? "Estou de TPM". A melhor réplica, pois os questionamentos desapareceram pelo resto do dia.

No final da tarde, o cansaço em não deixar transparecer o quanto mentia ocupava cada espaço vazio do meu corpo. Como não conseguia relaxar, sugeri que fôssemos embora mais cedo, e claro que a família dele não gostou da ideia, mas meu marido – como sempre – me apoiou. No entanto, pediu que ficássemos mais alguns minutos, uma vez que as crianças brincavam e interagiam com os primos. Cedi e não tive outra saída a não ser esperar, afinal de contas, ninguém tinha nada a ver com os meus problemas. Eu havia entrado naquele limbo por conta própria e não enxergava a porta da saída de emergência.

Passados alguns minutos, retirei-me para o único local onde poderia me esconder sem levantar suspeitas. Trancada no banheiro, deixei os pensamentos correrem sem cuidado. As noites insones, a falta de apetite, o ar preso à garganta dificultava a respiração e demonstrava toda a fraqueza diante das conjecturas que meu cérebro fazia. Não controlei o medo ao imaginar Gustavo desaparecendo da minha vida para sempre; Eu estava perdida, essa era a mais pura verdade.

Escolhas: com cenas bônus (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora