Victor - II

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O gosto amargo continua em sua boca. Victor desejava ter água para enxaguar, mas Yuri havia esquecido providenciar isso a ele. A dor aguda em seu abdômen e coxa atinge-o toda vez que ele se vira. Ele se encolhe de dor. A jaula está infestada com o fedor de urina e fezes. Suas barras não mostram qualquer sinal de fraqueza. Seu cabelo oleoso está grudando em sua testa. Suas roupas são as mesmas com as quais entrou ali. Com a ausência de ar fresco e inalando imundície a cada suspiro, sua mente fica nebulosa, perdendo a noção do tempo e da realidade em si. Há quanto tempo ele está preso ali? Dois? Três dias? É impossível dizer nessa escuridão sem fim. Além disso, ele ainda tem que achar uma saída desta prisão.

Victor passa seu confinamento imaginando suas rotinas—as do passado, presente e futuro. Isso o mantém são.

O rinque é o único lugar onde se sente capaz de tudo. Sem limitações—apenas ele sozinho com o gelo e a música. Ou, pelo menos, é nisso que ele quer que as pessoas acreditem. Na verdade, nem a patinação pode libertá-lo do desprezo que mundo lá fora sente por ele.

Fora do gelo, ele passava breves momentos sozinho, navegando por fóruns online e redes sociais, lendo os comentários em suas fotos. Alguns chamavam a sua atenção:

As vitórias consecutivas do Victor não vão durar.

Ele nunca vai passar dos trinta.

Por que ele não para? Ele já tá rico o suficiente.

O cara é só aparência. Sem cérebro. RISOS!

Nesses momentos particulares, ele chorava, porque sabia muito bem o quão reais esses comentários de ódio eram. Ele não parava até que a voz estridente de Yakov o fizesse voltar para o rinque.

E toda vez que Yakov mandava-o de volta ao gelo, Victor tinha uma vontade ardente de dizer não.

Então por que ele não fazia?

Por que continuava patinando?

Por que ele não podia só largar mão tudo?

A maior lenda da patinação artística não se tornou uma a partir da covardia. Tampouco deveria deixar sua carreira para trás através de tal método. Frequentemente, ele esperava que acontecesse algo que talvez o comprometesse, ou melhor ainda, que acabasse com a sua carreira de uma vez, como um trem desgovernado atingindo-o.

Apenas quebrar minha perna, ele pensava. Destroçá-la, para que então eu nunca mais possa patinar de novo. Ao menos isso convenceria as pessoas de que eu tentei.

Talvez... Ele pudesse manipular seu corpo de algum jeito.

Mas toda vez que ele tentava um salto arriscado, seu nervos se descontrolavam e, ao invés disso, ele aterrava o salto ou aterrissava levemente em seu joelho ou quadril. Sua mente mergulhada nos comentários que via online. Com seu coração agitado e seus ombros retraídos. Victor se recolhia no gelo antes que Yakov pudesse notar sua expressão desanimada.

Covarde.

Ele foi para a cama ouvindo aquela palavra ser dita em seus sonhos. A voz não pertencia a alguém que conhecia. Era uma voz que ele havia conjurado de suas próprias profundezas. Emergindo de seu subconsciente como uma besta com garras afiadas. A Besta sussurrava para ele. Ameaçava-o. Envolvia suas presas em volta de seu pescoço e reduzia sua fonte de oxigênio até ele se sentir prestes desmaiar.

Covarde, ela ecoava.

E Victor acreditou nela.

Como uma marionete presa a uma corda, o mundo era seu marionetista, arrastando-o por cada evento mundial para competir. Controlando cada movimento, enquanto Victor segurava sua língua. Agradando as multidões, enquanto ignorava seus desejos pessoais. Ele se imaginava cortando as cordas e rompendo os laços com esta vida. Apenas depois que isso estivesse feito, Victor acreditava que estaria verdadeiramente livre de cair em depravação.

Yuri!!! In The Dark - A Dança da MorteOnde histórias criam vida. Descubra agora