Pandora me olhou novamente com aquele olhar de "não vem que não tem".
― Ah, Pan! Quebra esse galho para mim, vai? ― abaixei meu olhar, olhando-a com as pálpebras cerradas. Ela sempre cedia quando eu pedia com jeitinho.
― Pene, pela milésima vez, NÃO! Eu não quero me passar por você em um encontro. Já fizemos isso antes e não deu certo ― tentou encerrar o assunto, voltando a colocar suas roupas nas cruzetas, sempre as separando por cor e estilo.
Minha irmã não era nada parecida comigo. Pelo menos não em atitudes e manias, pois fisicamente éramos iguais, gêmeas idênticas. Pandora era bastante organizada e detalhista. Em seu quarto nada (nunca) estava fora do lugar. Já no meu... Não que eu fosse desastrada, desleixada ou algo parecido, eu apenas não tinha o tempo que Pan tinha para cuidar desses detalhes, pois meu trabalho e faculdade tomavam todo o meu tempo.
Mas Pandora também fazia faculdade e trabalhava, contudo a diferença era que ela trabalhava para Phil, nosso irmão mais velho, que era dentista. Pan fazia faculdade de Odontologia à noite, e nos turnos da manhã e da tarde era assistente de Phil. Logo, trabalhar para o irmão dava a ela certo crédito, já que tinha certeza absoluta de que jamais seria demitida.
Já eu, bem, fazia um mês que comecei a lecionar em uma escolinha particular. Fizera uma entrevista e como só faltava um semestre para concluir meu curso de Pedagogia, resolveram me contratar dizendo que eu fora a melhor. "E então, há um mês eu dou aulas para o maternal três da Escola Pinguinho de Gente, e pelo nome já da para se ter uma noção do tamanho dos meus alunos".
― Me passa essa blusa aí ― Pan apontou para uma peça de roupa bem ao meu lado na cama. Peguei a blusa, jogando-a em sua mão estendida. "Meu Deus, ela tem que ir no meu lugar!"
― Pan... ― chamei chorosa. ― Por favor, faz essa pra mim?
― Penélope, por que diabos eu iria querer sair com um cara que eu nem conheço só para livrar a tua pele? ― ela já estava impaciente, com suas mãos na cintura... "Oh! Céus, ela vai ceder". Levantei da cama em um salto e cheguei perto dela.
― Porque você me ama...? ― fiz biquinho.
Pan me olhou atravessada e depois de uns instantes soltou um ar pesado, abaixando sua cabeça em sinal de rendição.
― Isso não vai ficar de graça, Penélope Albuquerque! ― joguei-me em seu pescoço, apertando-a bem forte. ― Vou cobrar com juros e correção monetária! ― disse enquanto devolvia o abraço.
― Eu te amo, irmã! E eu pago o que quiser.
Dei mais um arrocho nela, liberando-a logo em seguida. Voltei para sua cama, mas dessa vez me joguei, deitando-me de papo para cima, cruzando os braços embaixo da cabeça e fitando o teto do quarto.
Eu estava aliviada!
Desde a manhã do dia anterior, quando minha melhor amiga Jessica me fez prometer que iria com ela, Michael (seu namorado e chefe) e com um filho de um casal que eram amigos de seus pais que acabara de retornar de uma temporada em Londres, que eu estava apreensiva. Eu tentei não aceitar, mas como nunca consegui dizer não para ela, acabei concordando.
Contudo, arrependi-me tão logo aceitei
Eu não era de sair, e muito menos com alguém que eu não conhecesse! Foi quando me lembrei da minha amada irmã, mais velha cinco minutos do que eu, e soube na hora que ela quebraria meu galho. Porém foi demasiadamente difícil convencê-la a fazer aquilo, mas eu não a culpava, já que nossa última tentativa de trocar de lugar fora um desastre: éramos novas e estávamos no ensino fundamental, eu ficara na recuperação em Matemática e Pandora passara com a maior nota da sala. Então, depois de passarmos dias estudando, Pan tentando fazer a Matemática entrar na minha cabeça a trancos e barrancos, decidimos que ela se passaria por mim e faria a prova. Resultado: mamãe descobriu tudo! Contou para a diretora do colégio e a convenceu a me dar mais uma semana para que eu estudasse mais. Passei raspando.
"Mas dessa vez dará certo".
― O que te dá certeza que nem Jessica e nem o mala do Michael não vão descobrir? Eles são seus amigos, vão acabar percebendo em algum momento da noite que não é você ― ela disse afastando minhas pernas mais para a ponta da cama e se sentando.
― Sei que será um risco, mas Jess e Michael jamais seriam indelicados de desmascarar você na frente desse homem. Se eles perceberem vão ficar calados e depois irão vim a minha procura, e dessa parte cuido eu ― sentei-me igualando nossos rostos. ― Parece que estou me olhando no espelho... ― peguei seus cabelos longos, colocando-os para frente.
― Sei bem como é essa sensação ― sorriu.
― Vai saber agir como eu. Ninguém me conhece melhor do que você. Só basta ser tímida demais e não falar quase nada... Coisa que eu sei que vai ser impossível para você ― rimos ― Mas é só tentar.
Ela me olhou e devagarzinho encheu seu peito de ar, depois soltou bruscamente.
― Essa noite eu irei ganhar o Oscar! ― disse com convicção.
(...)
Depois de vestir um dos meus modelitos de noite, que se detinha a uma calça leging preta, com uma túnica vermelha de alças finas douradas, uma sandália de salto fino, e passar no rosto nada mais do que pó, blush e um batom rosa, prendendo o cabelo em um rabo de cavalo, Pandora estava terrivelmente parecida comigo. Enganaria até mesmo nossos pais se eles estivessem em casa.
― O que é isso? ― ela perguntou quando estendi minhas chaves em sua direção.
― O que acha que é? ― arqueei uma sobrancelha.
― Você quer que eu vá naquela máquina de tétano ambulante? ― perguntou incrédula, mas eu nem liguei. "Não mais". Muitos zombavam de meu Fusca que um dia fora vermelho e com toda sua pintura, entretanto eu o amava mesmo assim.
― Seria estranho "eu" chegar no carro da minha irmã. Jessica e Michael sabem que eu adoro meu carro! ― dei de ombros.
― Tem gosto para tudo mesmo ― puxou bruscamente as chaves da minha mão. ― Se eu adoecer a culpa será sua! ― entrou no meu carro, e pondo a chave na ignição, girou-a.
Pan passou a marcha, pisou no acelerador. O Fusca deu um solavanco, estacando. Ela se agarrou com força no volante e olhou com seus olhos cheios de raiva para mim.
― Eu não sei andar nisso, Pene! ― falou entredentes, as faíscas de ódio saiam de seus olhos. ― Se eu morrer saiba que virei à noite puxar seus gregelos!
Tendo dito isso, ela fez todo o trabalho novamente, girando a chave, passando a marcha e pisando no acelerador, só que daquela vez o carro saiu sem estancar.
― Boa sorte! ― dei tchauzinho para ela e tive como resposta apenas sua mão para fora do vidro com seu dedo do meio levantado para mim.
Ri com seu gesto. Suspirei profundamente e voltei para casa.
Era uma casa bonita, em um bairro caro e bem administrado. A grama verde, sempre bem cuidada por mamãe, rodeava toda a propriedade. Era uma construção antiga construída por nossos avós. Tinha um andar acima do térreo, onde ficavam os quatro quartos da casa: o meu, o de Pan, o dos nossos pais e um para visitas que antigamente era de Phil, mas ele casara e morava com a esposa Vitoria no quarteirão da frente.
Toda a casa era pintada de branco e eu sempre gostei daquilo, pois deixava o ambiente claro, mesmo à noite. No térreo continha uma grande sala de estar, com um enorme sofá preto em forma de "L", um centro com tampo de vidro e uma estante com TV, um aparelho de som e DVD. Além de fotos da família.
A cozinha era conjugada com a sala, separada apenas por um balcão de mármore com seus banquinhos que giravam. Quando éramos crianças, Pan, Phil e eu, adorávamos ficar girando e girando durante minutos. Mais ao canto da cozinha tinha uma área de serviço e uma porta de vidro que dava para o quintal, onde continha um dos amores de mamãe: suas flores!
Mamãe e papai estavam de viagem, foram ao interior visitar amigos. Estavam aproveitando os quinze dias de férias que papai tirou do departamento de polícia onde ele trabalhava. Mamãe era professora de dança de salão e tinha seu próprio estúdio, além de ter uma assistente, Luana, que cuidava de tudo quando ela precisava se ausentar.
Subi as escadas e fui para o meu quarto. Peguei as roupas que estavam jogadas sobre a cama, e as rebolei de qualquer jeito em cima da poltrona ao canto do quarto. Deitei e nem mesmo a luz eu apaguei, pois adormeci imediatamente.
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DUAS FACES
RomanceDuas mulheres. uma mesma face.Por essa Tales Couto não esperava! Uma era meiga, discreta, tímida e maravilhosa. A outra era vivaz, irritante, descolada e... Maravilhosa! Quando Penélope e Pandora Albuquerque entraram feito um furacão na vida de Tale...