Capítulo 5

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Dei um tchauzinho para o segurança da galeria onde ficava o consultório de Phil. Era exatamente cinco e meia da tarde, Phil tinha me prendido no consultório durante todo o dia. Eu estava exausta! Queria ir para casa, tomar um bom banho de banheira e só depois voltar para a faculdade.

Mas naquele horário o tráfego estava horrível. Não podia arriscar chegar atrasada à faculdade, pois James arrancaria o meu couro. Aí seria o meu fim! Ele ficara chateado porque estourei o prazo que me dera para entregar um trabalho, e aquilo o deixava furioso! Ainda mais quando ele já tinha estendido por mais dois dias a data para mim. Iria daquele jeito mesmo: podre e morta de cansada!

Para o meu azar, todo sinal que eu passava estava fechado (e não foram poucos!). Quando finalmente saí da perimetral, entrei num beco que eu sempre tomava como atalho quando estava com pressa, mesmo sendo contramão (eu não estava nem aí para isso). Meu celular tocou. Sem tirar os olhos da estrada procurei com minha mão pelo aparelho que estava na bolsa que eu jogara no banco do passageiro. Olhei de relance a tela, não reconhecendo o número. Com uma única mão conectei o celular no Bluetooth do carro, rindo quando imaginei que Penélope jamais poderia fazer aquilo naquele Fusca horrível!

Atendi à ligação.

― Oi? ― dei sinal para a direta, saindo do beco, voltando novamente à estrada.

"Só mais um atalho e eu chego lá rapidinho!"

― Penélope! Que bom ouvir tua voz! ― respondeu uma voz rouca, grossa e cheia de presença, arrepiando-me do mesmo jeito que me arrepiara na noite anterior, quando Tales sussurrava ao meu ouvido.

― Gatinho, é você! ― pelo menos isso para alegrar o restante daquele dia.

― Sou eu sim! Vamos sair agora à noite?

Ah! Mas que droga!

― Owwn, será uma pena, mas eu não posso. Estou indo para a faculdade agora mesmo, acabei de sair do trabalho e não vou ter tempo nem de passar em casa ― fiquei triste. Queria encontrá-lo. Desejei mentalmente que meu professor James tivesse uma enorme dor de barriga e não conseguisse sair de casa.

― Faculdade? ― perguntou com certo espanto. ― Mas você não estuda pela manhã?

― Quem me dera! Estudar a noite é um saco! Vivo sempre desmarcando encontros e saídas com amigos por causa disso.

― O que você estava fazendo na faculdade hoje de manhã?

― Não. Eu não estu... ― bati a mão na minha testa. "Penélope" ― Tales, eu to dirigindo, depois te ligo, tá legal? ― encerrei a conversa.

― Tudo bem, boa aula, linda!

Desliguei a ligação, desconectando o aparelho, jogando-o bruscamente de volta à bolsa.

Estacionei na rua em frente à faculdade. Eu estava com muita raiva!!! Não, estava morrendo de raiva!!! Contudo, não poderia culpar ninguém. Nem a mim, nem Penélope e muito menos ao Tales.

Quando Pene viera com a proposta de eu fingir ser ela por uma noite para acompanhar um amigo do amigo de outro amigo (e o diabo a quatro) eu não queria aceitar. Eu não estava com a mínima vontade de sair, mas conhecendo a minha irmã como eu conhecia, ela não iria desistir. E eu a amava demais para deixá-la cair nas armadilhas que sua amiga Jessica-Fofoqueira a metia. Eu que não queria uma amiga daquelas!

Mas eu pensara que encontraria um tipo de homem. De primeira imaginara um moleque daqueles que ainda batiam punheta no banheiro para extravasar sua porra. "O que eu podia fazer? Tenho imaginação fértil, e conhecendo os amigos da Jessica, imaginei o pior tipo!"

Depois, pensei melhor, chegando à conclusão de que Jessica não teria um circulo de amizade tão baixo assim, então, imaginei que seria ou gordo, ou careca, ou cheiraria mal e... Bem, eu imaginei que ele teria qualquer defeito! E, sabendo que minha irmã seria incapaz de ser indelicada ou de dar o fora em alguém (se o mesmo desse em cima dela, ou até mesmo tentasse avançar o sinal), topei.

Claro que colocara na minha bolsa um spray de pimenta para o caso do cara ser tudo isso que eu descrevi e ainda ter dois metros de altura, vindo assim a não poder derrubá-lo com uma voadora. Por mais que papai nos tivesse ensinado muito bem como se defender de assédios, ele tinha apenas 1,70cm e eu o derrubava fácil, fácil. E sem contar que papai estava mais pra Zé Magrelo do que pra corpulento.

Resumindo, eu estava preparada para tudo, menos para o que eu vira. Tales Couto era o homem mais lindo que eu já botei os olhos em cima. Efeito igual ao que eu senti quando o vi só sentira uma vez: pelo amigo da minha irmã, Heitor. Mas o cara não me dava bola e nem percebia o quanto eu dava em cima dele. Então eu cheguei à conclusão de que ele era gay. Nunca falei disso com Penélope, porque sabendo o quanto de romance existe em seu ser, ela poria caraminholas na cabeça e eu nunca mais viveria em paz.

Mas Tales... Ele era diferente. Além de não ser nem gordo, nem moleque batedor de punheta, nem careca e nem cheirar mal (entretanto ele quase tinha seus dois metros de altura. E aquilo me excitava pra cacete!), ele era doce, atencioso e prestativo. Tanto que mesmo depois de sairmos do restaurante decidimos andar sob o luar, fomos até a praia ver a ressaca do mar e ficamos conversando até as três da manhã. Porém eu não contara nada específico sobre mim (e nem sobre Pene). A conversa inteira fora sobre ele e sua família.

Tales havia se saído como um perfeito cavalheiro, sempre me dando passagem, pegando em minha mão quando ele achava que era necessário e sempre querendo saber a minha opinião sobre os assuntos que conversamos. Ele era, definitivamente, um em um milhão!

O pior: Tales ficaria na cidade por tempo indeterminado! Eu conhecia sua família, pelo menos de longe. Conhecia seu pai, o clínico geral do hospital de renome da cidade, mas não conhecia sua mãe, que era arquiteta. Conhecia sua irmã, Mabel, porque ela tinha um centro estético na mesma galeria onde eu trabalhava. Por umas três vezes usei os serviços do centro. Como também conhecia o marido dela, Daniel, pois ele era professor na faculdade onde eu estudava, tive cadeira com ele no meu primeiro semestre. Tales também falara de Adrian, mas desse eu não lembrava.

"E agora ele conheceu a verdadeira Penélope".

Isso queria dizer que eu era a intrusa? A impostora? Eu, como mais velha, deveria saber que fingir ser minha irmã não daria certo. Nunca dera! Por que daria? Só que antes éramos crianças, escapávamos ilesas de tudo, contudo, a infância passou, teríamos que arcar com nossas atitudes, concertando aquela bola de neve que, eu sentia, estava começando a rolar, aumentando rapidamente, vindo em nossa direção.

DUAS FACESOnde histórias criam vida. Descubra agora