Uma História Bem Peculiar

Capítulo VIII - "Le feu approche"

  Desceram em Cambridge após duas horas de viagem. Teriam de passar pelo menos mais umas três horas na cidade até que os acólitos que estivessem esperando na estação francesa dispersassem.
  A cidade não era tão pequena para um inteiror, na verdade era bem desenvolvida, e muitas plantas cercavam cada canto onde se olhava, para o agrado da Srta Peregrine. Horace e Victor pareciam estar cada vez mais amigos, riam, brincavam e conversavam sobre o que viesse na cabeça. Porém Brownie parecia um tanto isolada, e de vez em quando lançava olhares de ciúmes aos meninos.
- Está tudo bem querida? - perguntou a Srta Peregrine a ela
- É....está sim Srta. Só queria conseguir fazer mais amigos, Victor está encantado com Horace, os dois estão muito amigos. Queria ter a mesma sorte.
- Logo logo você terá muitos amigos e amigas com quem poderá conversar, eu lhe garanto, mas por enquanto que tal nós sermos amigas ahn? - perguntou ela com um sorriso.
A menina parou um pouco para pensar e respondeu sorridente.
- É claro Srta Peregrine! Posso lhe fazer uma pergunta? - a ymbrine acentiu que sim - Horace nos falou que a Srta pode se transformar em pássaro, desde quando faz isso?
- Desde que nasci Brownie, minhas tutoras começaram a me guiar e ensinar meus ofícios desde pequena, então nunca tive muita dificuldade em aprender como fazer isso, me transformo em um falcão peregrino, por isso meu sobrenome, entendeu?

A menina acentiu que sim, devia ter mais ou menos uns dez anos, e sua voz já era de uma pré-adolescente.

Eles pararam perto de uma praça enorme no centro da cidade. Onde eram visíveis muitos normais caminhando, árvores, pombos. A única coisa que parecia deslocada era um automóvel estacionado em uma calçada em frente ao local onde estavam. Era uma espécie de carro, só que maior. Essas invenções dos normais a deixavam confusa. Alma viu de longe um grupo de pessoas em círculo próximas ao veículo, todas menores de idade. E no centro dois adultos com um olhar sério falando com todos eles. Reparou em uma menina que tentava se afastar do grupo, tinha um olhar preocupado e alerta e usava longas luvas nas mãos. Mas sua tentativa de fuga não durou muito tempo, logo um dos adultos a viu se afastando e a puxou violentamente para dentro do veículo. Isso deixou Alma incomodada, nenhum adulto deveria tratar crianças daquele jeito. Resolveu ir até lá para observar mais de perto.
   Foi andando até lá, se escondeu atrás de uma árvore e tentou escutar o que diziam.
- Olhem não quero ninguém tentando fugir, se seguirem o exemplo dessa menina podem ter certeza, irão se arrepender - falava uma mulher no centro do círculo - quando chegarmos lá quero disciplina, o público não quer ver um bando de crianças maltrapilhas.....
- Moça, pode vir aqui por favor? - chamou uma vozinha tímida vinda do veículo para Alma
- Tem alguém aí? - perguntou a Srta Peregrine
- Aqui, na janela. - Alma a viu - Olá, poderia me dizer que cidade é essa?
- Estamos em Cambridge, interior da Inglaterra. Você parece uma boa menina, por que aquela mulher a empurrou daquele jeito grosseiro? - tentou ser o mais cautelosa possível.
- Ela não queria que eu me afastasse do bando. Mas ficou "bravinha" quando tentei fugir, essas pessoas são insuportáveis - falou ela revirando os olhos.
- E o que estão fazendo com esse monte de crianças? Uma excursão, algo do tipo?
- Não, Srta. Eles são mestres de um circo, estão nos levando para Paris para um espetáculo "surpresa". - respondeu ela lançando olhares de desprezo aos adultos - Só que não aguento isso, nem me deixam usar minha.....- a menina parou a frase imediatamente, havia esquecido que estava falando com uma mera estranha - ...tiara, isso minha tiara. Acham que é inapropriada para a ocasião - terminou a frase sorrindo nervosamente para Alma.
  Ela pode ter tentado esconder mas Alma tinha certeza com que palavra ela ia completar a frase
- Está certo então, espero que cuidem de você direito, e não tente fugir outra vez ou acabará se machucando. Mas se precisar de ajuda é só chamar, peculiares ajudam peculiares.
  E ao dizer isso, deu as costas para a menina, mas antes conseguiu ver sua cara de espanto que rapidamente se trocou para uma expressão feliz. Com certeza quando chegasse na França iria atrás dessa menina. Sem a menor dúvida ela era uma peculiar e sem menos dúvida ainda, precisava de ajuda.
  
 
                            ******

Já haviam se passado três horas desde que chegaram em Cambridge, e até agora só haviam ido em uma praça, um restaurante e caminhado por ruas. O tempo estava passando estranhamente rápido. Já era hora de pegarem outro trem para partir caminho à Cannes. O plano da Srta Peregrine era passar um tempo na fenda da Srta Ciconia, se possível, e ir atrás da menina que viu no automóvel.
   Disse ela que iriam para Paris para a apresentação surpresa do circo. Mas pelo que Alma pôde notar ela estava fazendo isso contra sua vontade. Aqueles adultos deviam ser comersiantes ilegais, esses tipos de pessoas existem a bastante tempo. Usufruem da inocência de peculiares jovens e usam isso para obter lucro. Mas todas as outras crianças que estavam com eles não pareciam estar lá contra vontade e nem serem peculiares. Do jeito que a mulher havia o olhado para a menina devia odia-la, mas por algum motivo não podia abandona-la. Ela devia ser a atração principal então, seja lá qual fosse a peculiaridade que tivesse.
   Tentou ser objetiva, chegaram rapidamente à estação, adentraram o trem e partiram, sem nenhuma interrupção de monstros. Assim como sua chegada em Paris. Até o ar naquela cidade era diferente, mais leve. Haviam muitos peculiares naquele país, isso era nítido. O plano agora era deixar as crianças na fenda da Srta Ciconia e partir a procura da menina. Eles iriam insistir em acompanha-la, mas sentia que precisava encarar essa busca sozinha.
  A viagem até Cannes era curta, mas o dinheiro que Alma tinha trazido já havia acabado, teriam de ir andando. Aquilo era muito, muito arriscado. O tempo de chegarem em Cannes era de mais ou menos trinta minutos, se caminhassem depressa, e esse era tempo suficiente para uma manada de monstros os atacassem no meio do nada. Precisavam arranjar um transporte.
  
- Não se preocupe Srta Peregrine, eu e Victor trouxemos algumas moedas, talvez consigamos pegar um táxi com isso - falou Brownie esperançosa.
- Talvez sim, mas se não for possível teremos de andar até a cidade e torcer para as monstros não nos triturarem.

Aquela frase saiu mais rude do que pretendia. Estava ficando estressada pela falta de informação que tinham. Tudo parecia ter dado certo até agora, mas vendo por outro ângulo eles não tinham nada. Iriam até a fenda em Cannes, se chegassem vivos, e depois? Para onde iria? Iria rodar o continente a procura de peculiares e depois o que iria fazer? Como uma ymbrine responsável devia ter pensado nisso antes, foi tomada pela angústia.
  Olhava para os lados para ver se encontrava um táxi e nada. Já era final de tarde, eles deviam estar parando de circular pelas ruas. Sem ter para onde ir ela chamou as crianças para que sentassem em um banco enquanto pensava.
- Como pude ser tão impulsiva? - murmurava ela para si mesma - E se a fenda da Srta Ciconia estiver fechada?  E se acólitos nos encontrarem antes de saírmos daqui?
- Está tudo bem senhora? - perguntou um homem se aproximando calmamente.
- Está tudo na mais....espere! Huston? O que está fazendo aqui? - perguntou ela surpresa
- Tive que vir pegar uma mercadoria aqui em Paris. E você? Ainda atrás de peculiares?
- É....sim, sim! Consegui resgatar Horace e mais duas ainda em Londres e tive que dar uma parada aqui. Acólitos estavam nos perseguindo.
- Ah, entendo. E pretende ficar por aqui ou ir a outro lugar?
- Eu pretendia ir até Cannes para buscar conselhos de uma antiga amiga em uma fenda, mas não tenho como ir até lá sem dinheiro. E temo acólitos ainda estejam à nossa procura.
- Eu poderia leva-los até Cannes se quiser, vim aqui em um caminhão e posso dar uma carona até lá
- Huston! Isso seria maravilhoso! Aceito se não for encomodo nos levar.
- Que nada! Estava querendo mesmo ir, tenho parentes por lá e agora tenho uma motivação.

Não perderam tempo, apresentou as crianças à Huston e partiram em seu caminhão para Cannes. Pensava em deixar os três na fenda e voltar para a capital. A Srta Peregrine havia prometido a si própria que não devia confiar em Huston assim tão fácil, mas agora não podia recusar tamanha oferta.