Capítulo X - Contos Peculiares

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  Ao amanhecer Alma acordou cedo, estava tendo dificuldades para dormir nos últimos dias. Pesadelos a assombravam todas as vezes que tentava dormir. Não que isso a perturbasse, mas faziam com que suas raras noites de sono fossem tensas.
  Passou o resto do dia ajudando a Srta Ciconia com os afazeres dentro da fenda, dando uma folga para Melina, que contou Ciconia, fazia tudo dentro de casa e agora tinha a chance de conhecer pessoas novas.

- Os dias aqui são entediantes, todos os dias fazemos as atividades domésticas e depois cada um se isola. Talvez sua visita consiga a animar. - falou Ciconia concentrada enquanto limpava a mesa de jantar.
- Será uma honra Srta - falou Alma sorrindo - Poderia me dizer, já faz quanto tempo você criou essa fenda?
- Faz algum tempo que não conto os dias, mas a última vez que contei nós estávamos chegando a trinta anos. - falou Ciconia sem demonstrar  nenhuma emoção no rosto
- Minha nossa! Já faz todo esse tempo desde o ataque? O tempo está passando cada vez mais rápido, não concorda, Srta? - perguntou a Srta Peregrine
- Isso porque vocês vivem no presente, o tempo aqui passa devagar, Alma. Como eu disse, é entediante.

Alma sempre se sentia tensa quando ouvia sobre como o  tempo nas fendas era difícil e confuso, esperava que nunca precisasse criar uma. 
Estava agora limpando os móveis da sala de estar, e a Srta Ciconia na sala de jantar ao lado. A sala de estar era simples mas ao mesmo tempo muito organizada. Havia dois sofás localizados em frente a uma lareira e uma estante cheia de fotos na parede próxima a porta de entrada.  Fotos do tempo que a Srta Ciconia abrigava seus peculiares. Nunca soube muito bem o que havia acontecido à aquelas pessoas, a Srta Ictis sempre tentava esconder as piores partes das histórias. Até porque quando o ataque ocorreu Alma e seus irmãos eram muito crianças.

- Ciconia, se me permite perguntar....- começou ela com um tom um tanto inseguro
- "O que aconteceu pra você criar essa fenda?" - interrompeu Ciconia completando a frase de Alma - Não conseguiu conter a curiosidade, ahn? Olhe, tenho que dizer que não é confortável falar sobre isso, mas já faz tanto tempo que contar essa história já virou quase rotina pra mim. Só falta Melina pedir para que eu a conte como história de ninar.

A Srta Ciconia indicou com a cabeça para que Alma se sentasse no sofá para ouvir à história

- Bem, vou tentar ser o mais breve possível. O que houve não foi muito diferente do que acontece com outras casas de peculiares. Nós estávamos tendo um dia normal até que uma carta chegou pela brecha da porta dizendo que um grupo de acólitos no país estava conseguindo a localização de minha casa. Eu fiquei desesperada, lógico, então chamei todas as crianças e disse o que estava acontecendo e que precisávamos sair de lá imediatamente.
- Mas como eles conseguiram pegar vocês? - perguntou Alma tensa com a história-  Até que transportassem todos os etérios pelo túnel vocês já teriam fugido!
- Isso era o que eu tinha em mente. Então conduzi as crianças para o pátio para que saíssemos em grupos. Mas então ouvi um barulho vindo da entrada, peguei minha arma e estava pronta para atirar no primeiro que entrasse. Porém, de lá saiu um homem usando um terno, com uma expressão preculpada, quando me viu armada pôs as mãos para cima dizendo que estava lá para ajudar.
  "Fui muito tola, Alma, confiei nele para nos proteger do ataque......sabia que tinha achado ele familiar mas nunca soube o porque... - ela semisserrou os olhos e olhou para o vácuo. Devia estar relembrando as cenas - ...bem enfim....ele disse que protegeria a entrada de qualquer monstro que entrasse. E quando menos esperava ouvimos um grito vindo dos fundos. Lá estava o doce e incrível herói de todos segurando uma de minhas crianças pelos braços. Era Ben, tinha a habilidade de ver através das paredes e viu que o homem estava falando com alguém por um tipo de transmissor  autorizando o ataque.
- Isso é horrível!
- Certamente. Então, quando tentei defender meu protegido, ele me desacordou com um soco. Muito delicado. - acrescentou ela com um ar de desdém - Quando acordei estava no porão da casa com somente quatro de minhas crianças, estavam aterrorizadas, disseram que conseguiram fugir por pouco carregando sua pobre Srta Ciconia pelos braços. Disseram que etérios haviam entrado e matado quem visse pela frente. Mas que depois de um tempo foran embora. Por fim, resolvi então criar a fenda por segurança e aqui estamos. Fim da história.
- Agora entendo bem - falou Alma com os olhos marejados após um tempo - eu sinto muito, muito mesmo Srta Ciconia.....
- O que você precisa entender é que - interrompeu ela - Sim, foi uma história trágica, sim eu perdi muito. Mas tudo isso poderia ser evitado Alma, esse é o maior arrependimento da minha vida. - falou ela encarando Alma e falando muito rápido - Confiar em um estranho. Quando tiver uma moradia, fixar seus peculiares e tudo ficar estável, não disperse. Esteja sempre alerta, a qualquer momento algo ou alguém pode acontecer. Faça as coisas por sua conta. Tome a frente - falava ela esmurrando a mesa ao fim de cada frase - Seja inflexível. E o mais importante, não confie em ninguém.

E saiu depressa para subir as escadas para o andar de cima. De relance, Alma conseguiu ver seu lábio tremer. Estava ouvindo coisas que nunca pensou que iria precisar ouvir. Coisas que nunca pensou que caberiam tão bem em sua situação atual.

                       
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Passara mais ou menos umas três horas limpando os móveis e cozinhando, queria deixar a casa impecável. Foi então atrás das crianças e as encontrou sentadas no jardim. Estavam todas segurando peças e olhando para uma tábua de madeira quadriculada na grama. Quando a viram chegando se viraram rapidamente.
- Bom dia Srta Peregrine - cumprimentou Melina - estava ensinando a eles um jogo que aprendi a muitos anos.....quer se juntar a nós?
- Infelizmente não Melina, e sinto muito mas preciso interromper o jogo para propor uma nova atividade.....quero dar uma aula para vocês...bom...sobre o mundo peculiar..
- Ahh, tem que ser agora? Estava prestes a ganhar da Brownie. - falou Victor
- Acho que está na hora de vocês conhecerem algumas coisas importantes. Venham, não demorará muito
- Podem ir, lembrei que preciso ajudar a Srta Ciconia agora. - falou Melina Sabe onde ficam as salas de aula, Srta Peregrine?
- Sei sim, querida. Eu e Ciconia já limpamos toda a sala de estar e jantar, mas ela deixou os quartos para você, disse que adora arruma-los.

A menina assentiu alegremente e então foi andando em direção à casa. Após a Srta Peregrine fez menção para que os três a acompanhassem para o andar de cima. Subiram a escada e viraram em um corredor com três portas. Na porta do meio havia uma placa dizendo "sala de aula", entraram lá e se depararam com uma pequena sala com seis cadeiras postas em filas viradas em direção a um grande quadro negro. A Srta Ciconia a permitiu explicar poucas coisas por enquanto. " As coisas tem que ser ensinadas em partes" disse ela " ainda mais com eles, acabaram de passar por muitas coisas"
  Vasculhou as prateleiras e por fim achou o objeto perfeito para iniciar as explicações. Um livro cujo o título Alma conhecia bem.

- Bem crianças, hoje vai ser uma aula bem rápida. Só para vocês terem uma breve ideia.
- Que livro é esse que a Srta está segurando, Srta Peregrine? - perguntou Brownie curiosa
- Ah este? É um livro que eu leio desde criança, um clássico, chama-se Contos Peculiares. - explicou ela aos três - São meramente mitos, mas nós podemos tirar várias lições deles.

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