Memórias

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Caro senhor 8,
Minha mãe me contou há não pouco tempo atrás sobre os acontecimentos de seus enamorados namoros de adolescência.
Sobre o dia em que, do nada, um carro de Tele-mensagem parou em frente à sua casa e começou a transmitir com música a declaração sobre o grande amor que tal pessoa tinha por ela. A intenção era chamá-la e lhe dar um buquê de flores, mas minha mãe era tímida demais para buscá-lo e, já que todas as pessoas estavam olhando, ela empurrou sua prima que, toda feliz, foi buscar as tais flores. 
Não sei que tipo de flores eram, mas aposto que não seriam margaridas.
Além disso, minha mãe foi pedida em casamento em uma montanha russa pelo seu primeiro namorado. É, e ela não aceitou. Nem vomitou. Graças a Deus, né?
Sabe, eu sempre quis viver as aventuras de minha mãe... Elas parecem tão fantásticas, sabe? Tão reais e possíveis. Tão... tão literárias.
Eu já tive um namorado. Dois. Três.
Nenhum deles me pediu em casamento. Na verdade, o 1... não existe ninguém ninguém disse que queria casar comigo porque esse alguém não está mais na sua cabeça então por favor pare de querer pensar
Desculpe a deselegância. Às vezes eu preciso dar um ponta pé em algumas memórias. E está dando certo, acredita? Quando deixamos de pensar em algo, esse algo deixa de ser O Único algo e passa a ser apenas aquele velho livro empoeirado deixado no quarto de bagunça.
A gente nunca joga ele fora, embora seja inútil. Pode me xingar, sei lá, mas um dia ainda acho que vou precisar daquelas memórias... acho que todos precisamos.
Minha mãe nunca chegou a me contar o que houve depois de não aceitar o pedido de noivado, então suponho que não seja mais importante. Contudo, ela ainda lembra, entende?
Será que estou guardando esse tempo para contar as minhas filhas em um futuro tão tão distante?
Como uma história de conto de fadas, talvez. Entretanto, e se as histórias infantis realmente sejam reais? Talvez esses autores tenham tido inspiração para tanto romantismo no princípio pelas lembranças que as mães lhes contavam.
Eu não duvido. Você duvida?
A questão é que todos nós queremos nos aventurar mais do que ouvimos falar nas histórias tanto reais quanto fictícias. Queremos sempre nos jogar de cabeça e termos as melhores lutas e prêmios.
E queremos contar a história de quando fomos derrotados.
O verdadeiro problema de contarmos as histórias de quando fomos derrotados, é sermos derrotados. É lembrar da sua fraqueza e de que você pode ser derrotado novamente.
É fácil dizer que você viveu momentos magníficos com algum parceiro ou parceira, o ruim é saber que não teve realmente um final feliz. É saber que você perdeu um bom tempo da sua vida acreditando que aquilo poderia realmente ser real.
Acreditando que Romeu e Julieta realmente se amavam.
Quando, na verdade, o próprio autor os declarou apenas adolescentes carentes.
É se lembrar de que toda Gente Grande foi criança e que toda criança se tornará Gente  Grande.
É saber que não deu valor as feridas de um joelho ralado e marcas de chinelo, quando agora vê que foram as menos doloridas de sua vida.
É se lembrar de que não pode voltar atrás e que o que espera não é tão mais incrível do que as histórias que sua mãe te contava.
Ela esqueceu de dizer que para voar é necessário ter asas e que para criar asas é necessário cair muitas vezes.
Ou dormir.
Se bem que quando caímos, depois de chorar, a primeira coisa que fazemos é fechar os olhos.
Bom fechar de olhos.

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