A única coisa de que se lembrava era do grito lancinante. Depois, mais nada. Nem quem era, nem de onde vinha; nada. Sua memória era um branco absoluto. Não reconhecia o homem que diziam ser seu marido e que ali mesmo, no hospital, o olhava com ódio...
Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.
Chovia há dias. Suave, calma, insistente, a chuva tinha se tornado um meio de vida.
A grande pantera olhou para fora de sua toca, para a cortina de água mansa, espreguiçou o corpanzil bronzeado e saiu para a plataforma do barranco, caninos expostos em seu protesto contra a noite úmida.
O silêncio opressivo da escuridão foi subitamente abalado. Um guincho rompeu a quietude, ecoando nas paredes do canyon, reverberando precipício abaixo.
As orelhas feridas pelo ruído estridente, o grande gato dourado colou-se mais à plataforma rochosa e rugiu, ameaçador. Assustado, olhava o vazio, esperando.
Com enorme velocidade um grande objeto se precipitou pelo despenhadeiro, bateu na plataforma rochosa, arrastando cascalhos em sua trilha, e mergulhou para o abismo. Depois, o silêncio cheio do sussurrar da chuva caindo na toca da fera. Mas um silêncio apenas passageiro.
Uma criança, atirada para fora do automóvel acidentado, gritou então, num gemido dolorido. Ao lado da criança, a silhueta de um homem mexeu-se. Vagamente consciente, ele tinha conseguido saltar para fora do carro, puxando consigo a criança, num último esforço fatigado. Tocou o rosto ferido, com dedos adormecidos. Nem percebia possíveis ossos quebrados, inconsciente do frio chicotear da chuva fina.
A criança gemeu e chamou a atenção do homem outra vez. Ele gemeu, apalpando nas trevas, procurando ansioso sobre a plataforma de pedra.
A criança tornou a gritar. A grande pantera rosnou seu protesto a essa invasão de seus domínios.
Os esforços do homem ferido não foram em vão. Seus dedos encontraram a criança e ele puxou o pequenino para o calor de seu corpo num gesto instintivo de proteção.
Uma grande explosão sacudiu o ar, logo depois do rugido da pantera. Um clarão vermelho recortou os contornos das rochas. Por um momento, com olhos assustados o homem viu a toca da fera encravada na rocha.
A pantera, louca de medo e de raiva, investiu. Deu o bote na direção do homem ferido com a criança nos braços.
O incêndio iluminava a cena do pesadelo. O homem gritou aterrorizado e perdeu os sentidos, agarrado à criança. No alto da montanha, o xerife em patrulha pela estrada soltou uma exclamação ao ver a explosão luminosa que clareou todo o canyon e o rio lá embaixo. Acendeu a lanterna forte, mas não podia ver quase nada por causa da chuva. Acelerou o carro na direção da luz.
O animal não chegou a atacar. Talvez por causa do grito, talvez por causa daquela luz misteriosa. Mas o homem nada viu, como também não percebeu o grupo que lutava para descer o barranco para salvá-lo, depois que o xerife pediu auxílio pelo rádio. Ele continuou desmaiado na ambulância que o levou para o hospital. Lá, a criança foi retirada de seus braços e levada para sua própria cama.