Capítulo Cinco

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DETETIVE SIMPSON

|| 18 de novembro de 2012 ||

Dezessete dias antes do desaparecimento de Meredith

Ada Simpson nunca compreendeu o anseio humano pelo fim da juventude. Recordava-se de seus aniversários, de cada vez que soprava uma vela perguntarem-lhe  quantos anos ela estava fazendo e comemorarem seu envelhecimento. Ontem ela tinha dezesseis. Hoje a idade era trinta e oito.

Sua manhã era repleta de delírios matinais e cafeína, muita cafeína. Não costumava ler o jornal deixado na varanda de casa. Ada estava a par das notícias necessárias, de todas elas. Além do mais, havia anos desde a última vez que Moulinville fora destaque nas capas dos noticiários. As coisas estavam mais calmas ultimamente. Tão calmas quanto sentar-se no banco macio do carro de polícia e acender um cigarro.

Observou o movimento dos pedestres na faixa. Uma mulher segurava uma criança de uns cinco ou seis anos nos braços. Atravessou sem averiguar a movimentação dos automóveis ou o sinal. Antes que passasse pelo carro despercebida, Ada assobiou, chamando-a. A mulher encarou-a confusa, a criança balançava os pés livremente como se estivesse sentada em um banquinho, mas na verdade chutava a barriga da mãe.

—Bom dia. — sorriu com o cigarro nas mãos. 

A mulher parecia impaciente, olhando para cima e para baixo. Os dedos tamborilavam nas costas da criança. Ada adorava tentar vasculhar os pensamentos alheios, ainda mais quando parava civis. As pessoas tinham medo de serem abordadas por policiais, na maioria das vezes, sentiam-se como se escondessem algo mesmo quando não havia nada a esconder. A pressão era exercida ao arquear de sobrancelhas com o semblante estático, inexpressivo.

— Fiz algo de errado?! — indagou exasperada. Ada notou que era provável que seus braços estivessem cansados de tanto segurar aquele pequeno corpo. Era mais simples soltar-se do filho e deixá-lo andar, segurando-o pelas mãos.

Balançou a cabeça.

— Tenha mais cuidado ao atravessar. Notei que a senhora não olhou para os dois lados e poderia ter passado um carro. — decidiu ser direta.

A mulher estava incrédula. Não conseguia acreditar que havia sido abordada por algo tão inútil como atravessar uma rua. Ela bufou.

— Obrigada por me avisar. — disse em um tom irritadiço e seguiu andando com a criança no colo.

Todos os dias, a mesma coisa. A mesma banalidade de sempre. Sentia falta de ser jovem. Com certeza estaria vivendo algum tipo de aventura e se não houvesse, ela inventaria. Nos tempos atuais haviam cobranças e obrigações. A maior delas Ada não havia cumprido: ser mãe.

Não importava como, nem com quem, mas uma mulher de trinta e oito anos já deveria estar casada e com filhos. A idade fértil de uma mulher é em média dos vinte e cinco aos trinta e cinco anos. Se engravidasse agora seu bebê provavelmente sofreria algum tipo de distúrbio.

A verdade é que em seus vinte à trinta anos ela nunca pensara em casamento ou filhos. Casou-se com sua carreira e por um bom tempo esteve satisfeita. Até ser convidada aos numerosos chás de bebês de suas amigas e colegas do trabalho. Era angustiante pensar que estava sozinha e que era tarde demais para ela, porém era o que pensava todas as noites antes de dormir. É claro que conhecera alguns caras no serviço, em bares, etc. Mas não parecia certo naquele instante, ela ainda não era a Detetive Simpson, ainda estava estudando para passar no concurso.

O nome dele era James (Jimmy) Parker. Ada o conheceu na festa de noivado de sua amiga mais íntima, Rebecca. Jimmy era primo do noivo e era extremamente galanteador. Na época tinha trinta e dois anos e ele quarenta e três, quase quarenta e quatro. Ainda assim, era tudo o que uma mulher poderia desejar. Encantador, romântico e inteligente. Suas piadas eram as melhores e era um cara no qual se podia confiar. Ada contava os problemas do trabalho, as intrigas com as colegas, as cobranças. E ele a escutava com prazer. Além disso, o sexo era maravilhoso.

Infelizmente a vida dificilmente atende suas expectativas. Ada precisou se dedicar mais ainda ao trabalho. As jornadas começaram a ser mais longas, integrais, demandavam tempo demais. Tempo é o maior problema da vida adulta. Nunca há tempo. Jimmy era treinador na escola estadual da cidade vizinha, mas possuía mais tempo para matar e queria passá-lo com Ada. Em determinada ocasião, pediu-lhe que desse um jeito de conseguir uma folga. Ela negou, era impossível! Enquanto tirava folga outro ocuparia seu lugar, seria uma batalha perdida.

Não se pode ter tudo na vida. Foi o que James (Jimmy) Parker disse à Ada Simpson no dia em que ela foi promovida à detetive.


***

Antes que sequer pisasse em seu escritório no Departamento de Polícia de Moulinville (DPM), seu colega de trabalho, o policial Renaud chamou-a para a sua mesa. Seu rosto estava sem cor, pálido, como se tivesse acabado de tomar um grande susto. Ada fitou-o cuidadosamente, manteve sua atenção à espera de palavras que mudariam o rumo de sua vida banal.

— Duas crianças encontraram um corpo no lago. — Thomas Renaud soltou a bomba com os braços tremendo. Abriu uma pasta amarela e indicou com a cabeça para que a detetive se aproximasse. 

Eram fotos de uma garota morta. Bem morta. Em estado de decomposição avançado, coberta de lama e lodo. Quase não restavam pele, apenas resquícios enrugados e muitos fios de cabelo negro tampando-lhe a fisionomia. O vestido rosê, grudado no cadáver, estava com rasgos na canela. As unhas pintadas de preto. A identificação seria imensamente custosa. E a pior parte é que ainda não haviam pistas, não haviam ocorrências de desaparecimento há pelo menos um ano e meio.

Ada colocou a mão direita na testa, pensativa.

— Quero que revisem todos os telefonemas do departamento de desaparecidos. Quero todos os registros de desaparecidos de 2010 para cá.— as palavras saíram disparadas.

Antes que se esquecesse, acrescentou:

—Não somente de Moulinville, mas de seus arredores. Pode ser que o corpo tenha sido arrastado pela corrente. — deu uma pausa para respirar. -— Até o fim do dia. Interrogarei as crianças. — virou-se para fora do escritório em direção à sala do interrogatório. 

Tempo. Era o que regia todo o curso de uma investigação. E é claro, de uma vida. 

O Lar das Rosas (EM HIATUS)Onde histórias criam vida. Descubra agora