LOUISE
Quanto mais caminhava, mais seus pés encharcavam de água e lodo. Ela odiava dias chuvosos, ainda mais quando gotas pequenas vinham seguidas por trovões e relâmpagos. A água era o suficiente para tampar-lhe o corpo até os joelhos. Ela sempre ia até ali brincar no lago proibido desde pequena, nos tempos em que ele não era proibido.
Louise não jazia com os pés atolados na lama por livre e espontânea vontade. Uma aposta em um jogo de verdade ou consequência havia a guiado. Josh, Peter e Alyssa estavam observando-a lá de cima do topo das árvores. Ela teve que completar o desafio ou seria chutada do grupo.
Como era um novo pedaço de carne na sociedade escolar de Moulinville tinha que obedecer a chamada ''Elite'' para se enturmar. Seus pais não gostavam muito que a garota saísse durante a noite para fazer sabe-se lá o que crianças de dezessete anos faziam.
Lou era uma boa garota, obediente. Até ingressar na escola estadual e ser agredida verbalmente pelo grupo que se auto denominava ''As rosas de Moulinville'' e Alyssa era uma delas. Uma delas não, era a abelha-rainha. Eram quase uma irmandade em pleno ensino médio, uma sociedade secreta dentro dos âmbitos escolares que funcionava como uma aristocracia.
Louise desobedeceu pela primeira vez na vida ao sair pela janela do quarto escondida de seus pais, apenas para ir naquela festa estúpida. Agora a menina estava encharcada de lama, os cabelos loiros extremamente bagunçados balançavam junto com a brisa gélida em meio ao nevoeiro do lago.
Ela se virou ao escutar risos e passos atrás dela. Suspirou. Não sabia direito o que deveria fazer ali, mas fez o que mandaram e já estava farta daquela palhaçada toda.
— Vamos, já terminei! — gritou para a floresta. — Saiam!
Mais risos e nada de respostas. Furiosa, tirou os pés enlameados da poça enorme e começou a subir o penhasco. Sentia-se suja, impura, precisava de um banho imediatamente para lavar seu corpo e alma. Nem sabia que horas eram e seus pais provavelmente iriam pirar ao notar seu desaparecimento. Já podia escutar sua mãe dizendo ''Está de castigo, mocinha!'' e mandando-a para seu quarto repassar versículos.
Bateu as mãos em seu vestido imundo como se aquele ato pudesse livrá-la ao menos em parte da sujeira incrustada em nas mãos.
Havia uma cabana no final da colina, de lá de cima dava para vislumbrar as margens tortuosas do lago proibido. Louise estava tempo o suficiente na cidade para terem lhe contado a história sobre a cabana abandonada na floresta. Seu corpo arrepiou-se ao ver as luzes acesas. Ela balançou a cabeça, tentando ignorar a sensação de medo. Deveria ser apenas truque patético daqueles idiotas para que ela saísse correndo. Ah! Mas eles iriam ver!
A garota continuou sua caminhada até a cabana supostamente abandonada, certa de que iria encontrá-los lá gargalhando.
Tateou em meio à escuridão do lado de fora da casa à procura de uma campainha, porém não encontrou. Então deu três toques raivosos na porta. ''Abram!'' berrou. Ela continuou batendo fortemente na porta até que abrissem. Somente sentiu seu corpo desabando quando a porta abriu.
Lá dentro, apesar de estar completamente iluminado, os móveis estavam cobertos por uma lona opaca, daquelas de mudança. Ela entrou em cada cômodo, os passos fazendo barulho no assoalho de madeira antiga. Nem sinal dos garotos ou de Alyssa, assim ela pensara, até escutar um estrondo vindo do que parecia ser a velha cozinha.
Louise correu desesperada para pegá-los. Ofegante, apoiou-se no batente da porta da cozinha.
O mundo parou por um segundo. A cabeça girava como se imersa em um carrossel, o coração palpitou cada vez mais forte, quase pulando para fora da boca. Pôde escutar sua respiração nervosa, o sangue passando por suas veias, o suor abandonando seu corpo pelos poros da pele, o tremor em suas pernas e braços.
Ela soltou um grito agudo, tão potente que poderia ser capaz de estourar todos os vidros das janelas daquela casa. Sua garganta arranhava e ela não parava de gritar.
Ali na frente dela estavam três corpos balançantes, suspensos por cordas esfiapadas que enrolavam-se em seus pescoços e os asfixiava. Josh, Alyssa e Peter. Ela os reconheceu e desabou. Deixou que as lágrimas saíssem. Não por muito tempo.
Atrás dela algo caiu com força no chão e a menina pôs-se a gritar novamente. Fechou os olhos bem fechados e poupou-se da terrível visão. Sentiu alguém empurrá-la e ela bateu a cabeça no chão.
— Parabéns. — uma voz feminina sussurrou sutil em seu ouvido direito.
Louise soluçava. A garota foi puxada pelos braços e arrastada para o que ela julgou ser fora da cozinha.
— Bem-vinda ao time. — dessa vez era uma voz masculina. Sentiu tapinhas em seu ombro.
— Pode abrir os olhos, querida. — novamente a voz feminina, aveludada e manipuladora.
Entretanto, Louise ainda não sentia-se segura, não após de ter visto aquela cena toda. Escutou a menina estranha bufar, em seguida, mais passos ao seu redor. Ela levantou as pálpebras vagarosamente.
Meredith a observava com uma postura de ditadora. Os olhos azuis eram frios como a água do lago. A mão pousava na cintura, a sola do pé batia inquietamente no piso de madeira. Ela suspirou impaciente.
— Foi uma brincadeira. Eles estão bem, ok? — Meredith revirou os olhos e virou-se em direção à cozinha. — Venham logo.
O coração de Lou ainda palpitava apressado, apertado em seu peito, mas a respiração já parecia voltar ao normal. O oxigênio retornava aos pulmões.
Alyssa, Peter e Josh saíram da cozinha com sorrisos maliciosos no rosto, como lobos prontos para dar o bote na ovelhinha inocente. Ela estava em choque, sem palavras. Queria xingá-los de tudo quanto era nome, porém não saía nada de sua boca, ela permanecia fechada, como se tivessem trancado e jogado a chave fora.— Vamos embora. Esse lugar me dá arrepios. — disse Meredith, dando um sinal com a cabeça para que todos saíssem da cabana.
Louise não se lembra de como chegou em casa, sua última recordação era do cheiro do carro semi-novo de Alyssa, o chaveiro de panda de Meredith. Uma dor aguda em sua cabeça que latejava... latejava. O líquido escorrendo por sua testa, vidros quebrando, mais flashes de luzes, um berro enorme, rodas travando ao frear e um peso surreal em cima dela. BANG!
(...)Deitada em sua cama macia, a cabeça descansando no travesseiro, o corpo coberto pela colcha de retalhos que sua mãe tinha costurado com tanto amor. Um toque na porta de seu quarto, nenhuma resposta. Sua mãe entrou desesperada e ofegante com o telefone nas mãos. Lou pensou que seria agora que estaria de castigo, que sua mãe gritaria com ela e a mandaria ler a bíblia, pedir perdão por desobedecer.
A mãe correu e abraçou a filha ternamente como se pudesse protegê-la das dores excruciantes do mundo. ''Você está bem, você está bem'' ela murmurou e aninhou a garota em seus braços, acariciando seus cabelos.
Louise balançou a cabeça sem entender, a cabeça que ainda latejava. Precisava limpar o sangue que escorria, precisava limpar, podia sentir o cheiro de sangue. O cheiro do carro semi-novo e o cheiro de sangue.
De repente tudo veio à memória. Empurrou sua mãe e saltou da cama.
— Onde está Meredith?!— ela gritou.
A mãe encarou-a sem saber o que dizer. As lágrimas deslizaram por sua face.
— Onde ela está?
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O Lar das Rosas (EM HIATUS)
מתח / מותחןOBS: Este livro está sob revisão para posterior conclusão. Quatro garotas, uma lenda urbana e um desaparecimento. Às margens do lago proibido existe um culto secreto conduzido por quatro adolescentes que se autodenominam ''As Rosas de Moulinville''...