Capítulo I - Memórias de um pescador

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Era o nascer do sol. Currit Aqua não era um vilarejo muito pequeno, mas nem muito grande. Morávamos a beira do rio Siracas, que era apenas restolho do rio Capital. E não tinha cheias tão abundantes quanto o segundo. Eu tinha oito anos, um garoto bagunceiro, mas esperto. Subia todos os dias no telhado para ver o sol nascer. Meu cabelo era queimado pelo raios de sol, formando um loiro-dourado, e os olhos, verdes, igual ao do meu pai. Eu me orgulhava disso, me orgulhava de ser igual à ele. Eu era seu pequeno sol, como me chamava. Dizia que um dia eu iria brilhar forte pelo mundo, mas por enquanto, só brilhava em seu coração. Era um homem forte, alto, e apaixonado por pesca, e pela minha mãe. Eles pareciam pombinhos bobos, mesmo que minha mãe estivesse cada vez mais distante. Minha irmã, com apenas quatro anos, também tinha olhos da cor do mel.

O sol já havia quase aparecido por inteiro quando meu pai subiu também.

- Estou vendo o dia em que irá despencar desse telhado. - Sibilava. - Se fosse filho de outra homem, claro. Mas já que é o meu filho, duvido muito. - Dizia, em meio a risadas. E eu ria junto.

- Já desço. Prometo não chegar atrasado hoje.

- Bom mesmo. Srta. Annabeth não gosta de atrasos! - Atentava.

- Não sei porque a chama de senhorita, ela é uma velha! - Caçoei.

- Ela é uma professora solteira, Kilorn. Devemos chamá-la de senhorita. - Dizia, sério. Mas mesmo ele, gostava de caçoar. - Mesmo que tenha altas rugas. - Rimos juntos. E com um último olhar orgulhoso, desci do telhado.

O caminho para a escola era curto, mas eu tinha preguiça só de pensar em ir. Meus amigos eram ligados no trezentos e vinte. Adoravam uma brincadeira, seja de mal ou bom gosto.

- E aí, pescador? - Chamava, Luke. Os outros dois, Oscar e Jhonatan, repetia. Éramos da pesada.

- Fala, Luke. Ainda está de pé? No rio?

- Somos de palavras, Kilorn. - Oscar falava. Logo éramos guiados por nossos próprios pés, que já conheciam o terreno.

As horas passaram. Iríamos almoçar em casa, e depois nadar. Abri a porta, e a sala estava vazia.

- Fiquem aqui, volto já. - Dizia para o pessoal, que já se esgueiravam pela decoração quase inexistente. Andei pelo corredor, e a porta do último quarto estava entreaberta. Minha mãe, deitada, choramingava. Em silêncio. Não gostava que eu visse. Apoiado sobre a maçaneta, a porta soltou um ruído. Ela deu um pulo, de imediato.

- Kilorn! - Disse, enxugando as muitas lágrimas. - O almoço está pronto. Vamos?

- Er... - Tentei dizer. Mas ela sai em disparada e me puxa junto.

- Ah. Trouxe amigos! Olá, Luke. Oscar. Jhonatan. - Assentia. E os meninos respondiam. Sequer perceberam o rosto vermelho e inchado dela.

*****

O silêncio foi mortal. Nem eu, nem minha mãe tivemos coragem de comentar. Já o plêiade de comediantes, não fecharam a boca. Saímos para nadar antes mesmo que eu terminasse. O ar da casa estava me sufocando.

- Venha, pescador. - Oscar gritou. Eu ficava para trás. O rio Siracas corre solene. Suas águas escuras, mais geladas que o do Capital, não possuem peixes em abundância. Os garotos brincam no rio, espirrando água.

Fico ali, observando o céu. Há poucos instantes exalava azul. Agora, coleciona nuvens. Uma tempestade se forma no horizonte.

- Galera, vem chuva aí. - Grito.

- Amarelou, pescador? - Luke pergunta.

Maré de LembrançasOnde histórias criam vida. Descubra agora