Capítulo II - Salvo pela prata

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O redemoinho de vento corre de nós. E nós corremos dele.

Meu pai sobe o monte, ofegante. Uma espécie de casarão, com madeiras brancas, mas velhas, aparecem em meio a neblina. O abrigo Twan não é o que eu escolheria para essa situação, mas é o que temos para agora. Meu pai me solta na entrada, que está surpreendentemente silenciosa. Devem estar temendo no canto. O ar abafado e poeirento percorre minhas entranhas assim que a porta se abre. Um salão grande esvanece. Com cadeiras jogadas de lado. Papéis esparramados. Mesas de cabeça para baixo.

- O que aconteceu aqui? - Pergunto, assustado. Meu pai percorre a sala, examinando.

- Acho que o ciclone chegou aqui antes de nós.

- Impossível, pai. O jardim estava intacto. A casa está intacta! Se fosse isso, as paredes teriam ido aos céus. Mas não. - Sibilo, orgulhoso de minha observação.

- Então, o que houve aqui? - Pergunta. Dou de ombros, sem saber a resposta.

De repente, um grito feminino ressoa para o sul do monte. Meu pai e eu nos entreolhamos. Meu coração faz um baile, batendo em um ritmo disparado. Corremos em direção ao som. Homens com o bandanas tampando o rosto e vestindo trapos, assim como o resto do vilarejo, carregam as pessoas pelos braços, à puxões grosseiros. São mais ou menos quinze homens, mulheres e crianças que estavam abrigando-se em Twan. Ainda tem muitos perdidos, fingindo do ciclone, ou até mesmo, mortos. Mas mesmo assim, dois homens mantém controle sobre os abrigados. Meu pai e eu nos camuflamos no arbusto próximo, e ele saca uma arma do bolso. Arregalo os olhos sobre ela.

- Pai... - Sussurro. Minhas palavras exalam medo.

- Não olhe. - Ordena.

Enquanto isso, os homens amarram as vítimas com cordas, uma nas outras, formando um círculo. Olho novamente para meu pai, desejando outro final. Ele não me retribui, e sou obrigado a virar o rosto. Agarro as mãos à cabeça, tampando os ouvidos. Pisco uma vez, tiro. Pisco outra, tiro. As balas ressoam nos meus tímpanos, tintilhando no chão. Levanto a cabeça para ver o que a sobrevivência nos causa. Os dois homens vestidos à trapos estavam caídos. Um, tiro barriga. O outro, na cabeça. Meus olhos não acreditavam no que viam. Onde meu pai havia aprendido a atirar dessa forma? Olho para ele, amedrontado. Ele me olha de volta, reconfortando-me. Não precisa ter medo de mim. Seus olhos gritam essas palavras. Mas não acredito nelas. 

Saio do arbusto, e corro em direção para ajudar os reféns. Mas paro no meio do caminho. Meus olhos correm pelo perímetro. Expressões tensas me encaram.

- Não. - Sussurro para mim mesmo. - Não.

- Filho.

- Cadê a minha mãe? Cadê minha irmã? - Pergunto para todos que tentam se desvincilhar das cordas sozinhos, já que os ignorei instantaneamente. - CADÊ ELAS?

- Não sabemos onde sua família está, pequeno Warren. - Zac, um comerciante da feira de domingo, responde.

- Eu sei. - Ouço um sussurro. Uma mulher com as roupas rasgadas, cabelos loiros emaranhados e brilhantes, pálida demais, lotada de hematomas, e olhos gritantes da cor do mar, diz. - Ela fugiu com sua... meia-irmã. Mas pensei que te levaria junto.

- O quê? - Sussurro. Olho para meu pai, querendo respostas.

- Não contou? - A mulher pergunta, olhando para meu pai como se conhecesse-o. - Não contou que você traiu e foi traído? - Questiona. Com um brilho nos olhos. Fazer fofoca a deixa feliz. Mas mesmo assim, arregalo os olhos ao máximo, assustado.

- Ele só tem 7 anos, Lia. - Meu pai responde, tentando uma recuperação suave. Ela revira os olhos, desdenhando. O que quer que seja o segredo de meu pai, ele não queria me contar agora. 

Maré de LembrançasOnde histórias criam vida. Descubra agora